terça-feira, 18 de março de 2014


Ela flutua, ela hesita: em suma, ela é mulher.

(Jean Racine)
Arte de: Shaine Turner


CARINHO TRISTE


A tua boca ingênua e triste
E voluptuosa, que eu saberia fazer
Sorrir em meio dos pesares e chorar em meio das alegrias,

A tua boca ingênua e triste
É dele quando ele bem quer.

Os teus seios miraculosos,
Que amamentaram sem perder
O precário frescor da pubescência,
Teus seios, que são como os seios intactos das virgens,
São dele quando ele bem quer.

O teu claro ventre,
Onde como no ventre da terra ouço bater
O mistério de novas vidas e de novos pensamentos,
Teu ventre, cujo contorno tem a pureza da linha de mar e céu
[ao pôr do sol,

É dele quando ele bem quer.

Só não é dele a tua tristeza.
Tristeza dos que perderam o gosto de viver.
Dos que a vida traiu impiedosamente.
Tristeza de criança que se deve afagar e acalentar.
(A minha tristeza também!...)
Só não é dele a tua tristeza, ó minha triste amiga!
Porque ele não a quer.
 
(Manuel Bandeira)
 
O limite da nudez
é o olhar. O corpo despe-se
sob as pálpebras de outro
corpo. Nenhuma roupagem esconde
contornos, sinais, vestígios....

Imposição, exposição, máscara
de gestos que se despem na
memória e na pele. A
nudez é o limite
do olhar.

Joaquim Pessoa- in, "Vou-me Embora de Mim
Imagem Google

DE QUE SÃO FEITOS OS DIAS?


 De que são feitos os dias?
- De pequenos desejos,
vagarosas saudades, ...

silenciosas lembranças.

Entre mágoas sombrias,
momentâneos lampejos:
vagas felicidades,
inactuais esperanças.

De loucuras, de crimes,
de pecados, de glórias
- do medo que encadeia
todas essas mudanças.

Dentro deles vivemos,
dentro deles choramos,
em duros desenlaces
e em sinistras alianças...

Cecília Meireles, in 'Canções'

"Eu sonho contigo
Em cores que não existem."
 
(Desconheço o autor)
 
Arte de: Alberto Pancorbo



E quando nos beijávamos e eu perdia respiração e, entre suspiros, perguntava: Em que dia nasceste? E me respondias com voz tremula: Estou nascendo agora...

(Mia Couto)
 
¡Beso que ha mordido mi carne y mi boca
Con su mordedura que hasta el alma toca!
¡Beso que me sorbe lentamente vida
Como una incurable y ardorosa herida!

¡Fuego que me quema sin mostrar la llama...

Y que a todas horas por más fuego clama!
¿Fue una boca bruja o un labio hechizado
El que con su beso mi alma ha llagado?

¿Fue un sueño o vigilia que hasta mí llegó
El que entre sus labios mi alma estrujó?
Calzaré sandalias de bronce e iré

Adonde esté el mago que cura me dé.
¡Secadme esta llaga, vendadme esta herida
Que por ella en fuga se me va la vida!

 (Juana de Ibarbouro)

LLuvia de sol


 La muchacha desnuda toma el sol
apenas cubierta
por la presencia de las frondas.
...

Abre su cuerpo al sol
que en lluvia de fuego
la llena de luz.

Entre sus ojos cerrados
la eternidad se vuelve instante de oro.
La luz nació para que el resplandor de este cuerpo

le diera vida.
Un día más
sobrevive la tierra gracias a ella

que sin saberlo
es el sol
entre el rumor de las frondas.

 (José Emilio Pacheco)

ASSIM EU QUERIA O MEU ÚLTIMO POEMA



  Que fosse terno dizendo as coisas mais simples e menos intencionais
Que fosse ardente como um soluço sem lágrimas
Que tivesse a beleza das flores quase sem perfume
A pureza da chama em que se consomem...
os diamantes mais límpidos
A paixão dos suicidas que se matam sem explicação.

Manuel Bandeira - Libertinagem, 1930.
 
Deitada és uma ilha E raramente
surgem ilhas no mar tão alongadas
com tão prometedoras enseadas
um só bosque no meio florescente

promontórios a pique s de repente...

na luz gémeas madrugadas
o fulgor das colinas cortadas
o pásmo da planície adolescente

Deitada és uma ilha Que procuro
descobrindo- lhe as zonas mais sombrias
Mas nem sabes se grito por socorro

ou se te mostro só que me inebrias
Amiga amor amante amada eu morro
da vida que me dás todos os dias.

  (David Mourão-Ferreira)
 

DE REPENTE...

 
Algum dia, em algum lugar,
ao encontrarmo-nos mais uma vez,
perdoa-me se, ao olhares nos
meus olhos, de repente,...

uma lágrima acontecer...
É apenas a explosão da
saudade e alegria:
da vontade de te ver,
do prazer de reencontrar.

[N. Rogero]
Desconheço o autor da imagem

domingo, 16 de março de 2014

TEM DIAS...


Tem dias em que por momentos… tu voltas !! Voltas dessa ausência distante, demasiado longe, para onde te levaste de mim!

Tem dias… em que nesses breves e intermináveis momentos… te sinto… sem saber como nem porquê, voltas para a minha pele e consigo sentir-te… num cheiro… num sabor… numa música perdida…

Tem dias… que num fechar de olhos, sinto as minhas mãos juntas, encostadas ao teu rosto, a cobrir os teus olhos, para que possas ouvir… num grito silencioso… o amor que te tenho!

E… nesses dias… nesses breves e intermináveis momentos… permito-me amar-te como se nada tivesse sido… para voltar, no momento seguinte, a guardar-te onde me lembro todos os dias … de te esquecer!

«- Que pena que tenha sido assim!»

«- Assim, ou de outra maneira qualquer!»
 
(Desconheço o autor se alguém souber agradecia que me informassem...)


Se eu não me amar estarei perdida - porque ninguém me ama a ponto de ser eu, de me ser..."

  (Clarice Lispector)

NOVO LAMPEJO


  A fragilidade dum tempo
Perde-se na sombra do caminho
Pela fustigante nortada
Tem a proteção divina...

Que brilha na noite escura
E no clarão da madrugada

Depois soltam-se os ventos
em remoinho
A tempestade se levanta
Soltam-se os laços e os efeitos
Soltam-se os abraços sem jeito
E um amor morno que não sabe…
estar sozinho

Já não temos o tempo que era nosso
Asas abertas de longo alcance
Temos ainda sonho das montanhas
Dum tempo gasto e tão inquieto
Envolto de brumas e manhas

Quando tudo parece perdido
no horizonte
do tempo
Regressa um lampejo de novo alento

  (paxiano)


A curva mais linda de uma mulher é o sorriso.

  (Bob Marley)

SÓ UM MUNDO DE AMOR PODE DURAR A VIDA INTEIRA


 Há coisas que não são para se perceberem. Esta é uma delas. Tenho uma coisa para dizer e não sei como hei-de dizê-la. Muito do que se segue pode ser, por isso, incompreensível. A culpa é minha.... O que for incompreensível não é mesmo para se perceber. Não é por falta de clareza. Serei muito claro. Eu próprio percebo pouco do que tenho para dizer. Mas tenho de dizê-lo.

O que quero é fazer o elogio do amor puro. Parece-me que já ninguém se apaixonade verdade. Já ninguém quer viver um amor impossível. Já ninguém aceita amar sem uma razão. Hoje as pessoas apaixonam-se por uma questão de prática. Porque dá jeito. Porque são colegas e estão ali mesmo ao lado. Porque se dão bem e não se chateiam muito. Porque faz sentido. Porque é mais barato, por causa da casa. Por causa da cama. Por causa das cuecas e das calças e das contas da lavandaria.

Hoje em dia as pessoas fazem contratos pré-nupciais, discutem tudo de antemão, fazem planos e à mínima merdinha entram logo em "diálogo". O amor passou a ser passível de ser combinado. Os amantes tornaram-se sócios.Reúnem-se, discutem problemas, tomam decisões. O amor transformou-se numa variante psico-sócio-bio-ecológica de camaradagem. A paixão, que devia ser desmedida, é na medida do possível. O amor tornou-se uma questão prática. O resultado é que as pessoas, em vez de se apaixonarem de verdade, ficam "praticamente" apaixonadas.

Eu quero fazer o elogio do amor puro, do amor cego, do amor estúpido, do amor doente, do único amor verdadeiro que há,estou farto de conversas, farto de compreensões, farto de conveniências de serviço.
Nunca vi namorados tão embrutecidos, tão cobardes e tão comodistas como os de hoje. Incapazes de um gesto largo, de correr um risco, de um rasgo de ousadia, são uma raça de telefoneiros e capangas de cantina, malta do "tá bem, tudo bem", tomadores de bicas, alcançadores de compromissos, bananóides, borra-botas, matadores do romance, romanticidas. Já ninguém se apaixona? Já ninguém aceita a paixão pura, a saudade sem fim, a tristeza, o desequilíbrio, o medo, o custo, o amor, a doença que é como um cancro a comer-nos o coração e que nos canta no peito ao mesmo tempo?

O amor é uma coisa, a vida é outra. O amor não é para ser uma ajudinha. Não é para ser o alívio, o repouso, o intervalo, a pancadinha nas costas, a pausa que refresca, o pronto-socorro da tortuosa estrada da vida,o nosso "dá lá um jeitinho sentimental". Odeio esta mania contemporânea por sopas e descanso. Odeio os novos casalinhos. Para onde quer que se olhe, já não se vê romance, gritaria, maluquice, facada, abraços, flores. O amor fechou a loja. Foi trespassada ao pessoal da pantufa e da serenidade. Amor é amor. É essa beleza. É esse perigo. O nosso amor não é para nos compreender, não é para nos ajudar, não é para nos fazer felizes. Tanto pode como não pode. Tanto faz. É uma questão de azar.

O nosso amor não é para nos amar, para nos levar de repente ao céu, a tempo ainda de apanhar um bocadinho de inferno aberto. O amor é uma coisa, a vida é outra. A vida às vezes mata o amor. A "vidinha" é uma convivência assassina. O amor puro não é um meio, não é um fim, não é um princípio, não é um destino. O amor puro é uma condição. Tem tanto a ver com a vida de cada um como o clima. O amor não se percebe. Não é para perceber. O amor é um estado de quem se sente. O amor é a nossa alma. É a nossa alma a desatar. A desatar a correr atrás do que não sabe, não apanha, não larga, não compreende.

O amor é uma verdade. É por isso que a ilusão é necessária. A ilusão é bonita, não faz mal. Que se invente e minta e sonhe o que quiser. O amor é uma coisa, a vida é outra. A realidade pode matar, o amor é mais bonito que a vida. A vida que se lixe. Num momento, num olhar, o coração apanha-se para sempre. Ama-se alguém. Por muito longe, por muito difícil, por muito desesperadamente. O coração guarda o que se nos escapa das mãos. E durante o dia e durante a vida, quando não esta lá quem se ama, não é ela que nos acompanha - é o nosso amor, o amor que se lhe tem. Não é para perceber. É sinal de amor puro não se perceber, amar e não se ter, querer e não guardar a esperança, doer sem ficar magoado,viver sozinho, triste, mas mais acompanhado de quem vive feliz. Não se pode ceder. Não se pode resistir. A vida é uma coisa, o amor é outra. A vida dura a Vida inteira, o amor não.
Só um mundo de amor pode durar a vida inteira. E valê-la também.

Miguel Esteves Cardoso, in 'Jornal Expresso'


O desejo de liberdade é mais forte que a paixão. Pássaro, eu não amaria quem me cortasse as asas. Barco, eu não amaria quem me amarrasse no cais.

(Rubem Alves)
Arte de: DeAngel 1966

JÁ NÃO ME ESCREVES


Já não me escreves da mesma forma que fazias no tempo em que a nascente do teu olhar desaguava na foz do meu, as palavras pareciam dançar ao som da chuva e as horas eram eternas porque ficavam presas nos ponteiros do ...relógio. Talvez sejam presságios do Inverno que não tarda em nós… os sonhos vão ficando adormecidos à míngua de estrelas e as palavras são espalhadas devagar, muito devagar. Já não me ouves, os nossos sorrisos não são mais aquarelas e as paredes que foram cúmplices estão agora transparentes e ecoam por dentro de mim. A tua voz treme e compete com as letras que parecem querer fugir das linhas do caderno, como uma pedra virada só para o mar, como se existisse um poema incompleto de que queres que eu desconheça o final… já não me escreves… e eu deixei de te saber ler.

 (Francisco Valverde Arsénio)
 
Por muito tempo achei que a ausência é falta.
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência.
A ausência é um estar em mim.
E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,...

que rio e danço e invento exclamações alegres,
porque a ausência, essa ausência assimilada,
ninguém a rouba mais de mim.

 (Carlos Drummond de Andrade)

COMO SE FAZ UMA DECLARAÇÃO DE AMOR?


 Mas então como se faz uma declaração de amor? Em papel selado, na presença de um advogado. Por que não? As piores declarações são as pífias e clandestinas, do género «Acho-te uma pessoa muito interessant...e». As melhores são aquelas que comprometem quem as faz, que se baseiam em provas capazes de serem apresentadas em tribunal, que fazem corar as testemunhas. As declarações do tipo «Experimentar-a-ver-se-dá» nunca dão. É melhor mandar imprimir 2000 folhetos e distribuí-los por avioneta à população, devidamente identificados, do que um bilhetinho anónimo de «um admirador». As declarações de amor têm de cortar a respiração de quem as recebe, têm de rebentar na cara de quem as lê. O amor e o terrorismo são questões de objectivo, e não de grau.

Como estamos todos a zero, ninguém pode dar conselhos a ninguém. Há séculos que as maiores cabeças do mundo procuram a frase perfeita de apresentação. Há as deixas rascas, do género «Deixe-me adivinhar o seu signo» ou «Não costuma cá estar às terças-feiras, pois não?». Há as deixas pirosas, do género «Importa-se que eu lhe diga que você é muito bonita?» ou «Posso só dizer-lhe uma coisa? O seu namorado tem muita sorte!». Depois, há as deixas supostamente cool, do tipo «O meu nome é Max e eu toco sax» ou, mais formal, «Muito prazer, Luís Bobone, toco saxofone». Ultimamente, a julgar por recentes exemplos, é moda usar deixas crípticas, do género «Então sempre conseguiu resolver aquilo?» ou «Importa-se de me segurar a bebida enquanto eu olho para si? É que pode apetecer-me bater palmas» ou ainda (versão 1987) «Não se importa de ficar aqui comigo um bocadinho enquanto o meu guarda-costas não volta da casa de banho?».
Todo o amor é um engano. Trata-se é de nos enganarmos bem.

(Miguel Esteves Cardoso)- in 'Os Meus Problemas'
 
Tua sedução é menos
de mulher do que de casa:
pois vem de como é por dentro
ou por detrás da fachada.
...

Mesmo quando ela possui
tua plácida elegância,
esse teu reboco claro,
riso franco de varandas,

uma casa não é nunca
só para ser comtemplada;
melhor: somente por dentro
é possível contemplá-la.

Seduz pelo que é dentro,
ou será, quando se abra;
pelo que pode ser dentro
de suas paredes fechadas;

pelo que dentro fizeram
com seus vazios, com o nada;
pelos espaços de dentro,
não pelo que dentro guarda;

pelos espaços de dentro:
seus recintos, suas áreas,
organizando-se dentro
em corredores e salas,

os quais sugerindo ao homem
estâncias aconchegadas,
paredes bem revestidas,
ou recessos bons de cavas,

exercem sobre esse homem
efeito igual ao que causas:
a vontade de corrê-la
por dentro, de visitá-la.

(João Cabral de Melo Neto)

A MULHER MAIS LINDA DO MUNDO

estás tão bonita hoje. quando digo que nasceram
flores novas na terra do jardim, quero dizer
que estás bonita.
entro na casa, entro no quarto, abro o armário,
abro uma gaveta, abro uma caixa onde está o teu fio
de ouro.
entre os dedos, seguro o teu fino fio de ouro, como
se tocasse a pele do teu pescoço.
há o céu, a casa, o quarto, e tu estás dentro de mim.
estás tão bonita hoje.
os teus cabelos, a testa, os olhos, o nariz, os lábios.
estás dentro de algo que está dentro de todas as
coisas, a minha voz nomeia-te para descrever
a beleza.
os teus cabelos, a testa, os olhos, o nariz, os lábios.
de encontro ao silêncio, dentro do mundo,
estás tão bonita é aquilo que quero dizer.
 
(José Luís Peixoto) - in A Casa, a Escuridão

quinta-feira, 13 de março de 2014

DUAS BORBOLETAS SAÍRAM AO MEIO DIA,


Duas borboletas saíram ao meio-dia,
valsaram em cima de um arroio,
flecharam para o firmamento...

e repousaram sobre um raio de luz;
Depois partiram as duas
por cima de um mar reluzente,
ainda que porto algum até hoje
haja mencionado a chegada.
Se falou com elas uma ave distante,
se no mar etéreo encontraram
uma fragata ou um cargueiro,
não fui informada.

(Emily Dickinson)


O amor é o início. O amor é o meio. O amor é o fim. O amor faz-te pensar, faz-te sofrer, faz-te agarrar o tempo, faz-te esquecer o tempo. O amor obriga-te a escolher, a separar, a rejeitar. O amor castiga-te. O amor compensa-te. O amor é um prémio e um castigo. O amor fere-te, o amor salva-te, o amor é um farol e um naufrágio. O amor é alegria. O amor é tristeza. É ciúme, orgasmo, êxtase. O nós, o... outro, a ciência da vida.
O amor é um pássaro. Uma armadilha. Uma fraqueza e uma força.
O amor é uma inquietação, uma esperança, uma certeza, uma dúvida. O amor dá-te asas, o amor derruba-te, o amor assusta-te, o amor promete-te, o amor vinga-te, o amor faz-te feliz.
O amor é um caos, o amor é uma ordem. O amor é um mágico. E um palhaço. E uma criança. O amor é um prisioneiro. E um guarda.
Uma sentença. O amor é um guerrilheiro. O amor comanda-te. O amor ordena-te. O amor rouba-te. O amor mata-te.
O amor lembra-te. O amor esquece-te. O amor respira-te. O amor sufoca-te. O amor é um sucesso. E um fracasso. Uma obsessão. Uma doença. O rasto de um cometa. Um buraco negro. Uma estrela. Um dia azul. Um dia de paz.
O amor é um pobre. Um pedinte. O amor é um rico. Um hipócrita, um santo. Um herói e um débil. O amor é um nome. É um corpo. Uma luz. Uma cruz. Uma dor. Uma cor. É a pele de um sorriso.

Joaquim Pessoa- in "Ano Comum"

FELICIDADE


é abrir-te devagar como uma porta
rangendo murmúrios
para o meu corpo entrar.

E depois, depois voltar a fechá-la atrás de mim
e caminhar em ti em ritmos certos
para que os meus passos se confundam com o
bater do teu coração....


E depois, depois semear em ti trigo novo
e soltar papoilas nuas da minha boca
para que se misturem com o teu sangue.

E depois,
depois perder-me nesse sonho sem regresso
só com a luz dos teus olhos
a levarem notícias do mundo!…

João Morgado-  in "Rio de Doze Águas"S, 12 Poetas".

terça-feira, 11 de março de 2014


Quem tem dois corações
Me faça presente de um
Que eu já fui dono de dois
E já não tenho nenhum
Dá-me beijos, dá-me tantos...

Que enleado em teus encantos
Preso nos abraços teus
Eu não sinta a própria vida
Nem minh’alma ave perdida
No azul amor dos teus céus
Botão de rosa menina
Carinhosa, pequenina
Corpinho de tentação
Vem morar na minha vida
Dá em ti terna guarida
Ao meu pobre coração
Quando passo um dia inteiro
Sem ver o meu amorzinho
Cobre-me um frio de janeiro
No junho do meu carinho.

(Fernando Pessoa)

Se eu te encontrar
Após longos anos,
Como devo cumprimentar-te?

- Com silêncio e lágrimas.

(Lord Byron)
 
"...Queria os teus olhos a fecharem-se comigo por dentro e tu por dentro de mim.

Queria de ti um minuto. Um minuto."

[Filipe Leal]
Foto de: Derek Galon
 
Dentro de uma mulher cabe um homem, cabe um filho, cabe o mundo inteiro se preciso for… menos as palavras. As mulheres não foram feitas para terem palavras dentro delas. Por isso falam tanto. Precisam falar para não morrerem envenenadas…”

(João Morgado)
Escultura de: Gaylord Ho

SEM QUE SOUBESSES


Falei de ti com as palavras mais limpas
Viajei, sem que soubesses, no teu interior.
Fiz-me degrau para pisares, mesa para comeres,
tropeçavas em mim e eu era uma sombra...

ali posta para não reparares em mim.

Andei pelas praças anunciando o teu nome,
chamei-te barco, flor, incêndio, madrugada.
Em tudo o mais usei da parcimónia
a que me forçava aquele ardor exclusivo.

Hoje os versos são para entenderes.
Reparto contigo um óleo inesgotável
que trouxe escondido aceso na minha lâmpada
brilhando, sem que soubesses, por tudo o que fazias.

 (Fernando Assis Pacheco)

A DISTÂNCIA NÃO SEPARA


"Quando é verdadeiro, a distância não separa, o tempo não enfraquece e ninguém substitui."

(Desconheço o autor)

Em cada um de nós há um segredo... uma paisagem interior com planícies invioláveis. . . Vales de silêncio e paraísos secretos. . .

  (Saint-Exupéry)

A QUE CHEIRA UMA MULHER? (excerto)


 "(...) As mulheres são um cheiro. É pelo cheiro que as catalogamos no íntimo arquivo dos desejos. A que cheira uma mulher?
– perguntou-me um dia a Diana. Uma rosa cheira a rosa. Um cravo cheira a cravo. Não sei a que cheira uma orquídea. Mas sei que todas as orquídeas cheiram igual, respondi. Já as mulheres, nenhuma repete o cheiro. As que nos refrescam têm cheiro de rio, as que nos enchem têm cheiro de mar. Todas as mulheres têm um cheir...
o......húmido. Como a boca. Como o sexo. Só gostamos de uma mulher quando gostamos do seu cheiro. Quando tudo nos leva a bebê-la como um chá quente, excitante, aromático. Se não gostamos do seu cheiro não conseguimos amá-la, nem na pele nem na alma. Podemos ser amigos , companheiros, nunca amantes. Amar é beber um cheiro. É transportá-lo para dentro de nós. Amamos uma mulher quando cheiramos ai seu cheiro.

  (João Morgado)
08- 03- 2014

CORAÇÃO

 
 E se não disser muito digo tanto
o corpo do silêncio é todo coração...
Se não encontrar as tuas mãos dou-te
as minhas cheias de flores simbólicas da...

nova estação, uma primavera que bate à porta
suavemente e entra nesta página toda coração.
Veloz o tempo entorna no meu corpo cansaços
das horas perdidas, das noites insones de escrita
e procura-te no silêncio onde te encontras preso,
quem sabe se receoso de te perderes na mudança
da estação da renovação e numa anónima multidão.

Bate agora com força o coração sinto que te chama
com um compasso incerto e brilham os olhos a alma
intacta a minha vontade de te rever e estar feliz contigo
não te demores, vem com alegria e coração abraçar-me..
Há tantas estrelas em nós que se atraiem sem desvios o
universo somos nós neste palco cintilante e vigoroso só
coração a pulsar dentro destes corpos de estrelas amor,
e tanto ardor que já nem um minuto nos separa é tudo
agora neste redentor amor a pele que solta os corações.

És só tu quem me enche de rosas encantos e jardins..
e principias o meu corpo com as tuas mãos no coração.,
como reflexos de mim nos espelhos que te traduzem!

(Cassandra Alpoim)
In Amor Perplexo
07/03/14
Arte de: Nik Helbig

PAGA-ME UM CAFÉ E CONTO-TE A MINHA VIDA


O Inverno avançava
nessa tarde em que te ouvi
assaltado por dores...

o céu quebrava-se aos disparos
de uma criança muito assustada
que corria
o vento batia-lhe no rosto com violência
a infância inteira
disso me lembro

Outra noite cortaste o sono da casa
com frio e medo
apagavas cigarros nas palmas das mãos
e os que te viam choravam
mas tu não, tu nunca choraste
por amores que se perdem

Os naufrágios são belos
sentimo-nos tão vivos entre ilhas, acreditas?
e temos saudades desse mar
que derruba primeiro no nosso corpo
tudo o que seremos depois

"Pago-te um café se me contares
o teu amor."

(José Tolentino de Mendonça)

NÃO TE FIES DO TEMPO NEM DA ETERNIDADE


Não te fies do tempo nem da eternidade
que as nuvens me puxam pelos vestidos,
que os ventos me arrastam contra o meu desejo.
Apressa-te, amor, que amanhã eu morro, ...

que amanhã morro e não te vejo!

Não demores tão longe, em lugar tão secreto,
nécar de silêncio que o mar comprime,
ó lábio, limite do instante absoluto!
Apressa-te, amor, que amanhã eu morro,
que amanhã morro e não te escuto!

Aparece-me agora, que ainda reconheço
a anêmona aberta na tua face
e em redor dos muros o vento inimigo...
Apressa-te, amor, que amanhã eu morro,
que amanhã morro e não te digo...

Cecília Meireles- in 'Retrato Natural'

RETRATO DE UMA MULHER TRISTE


Vestiu-se para um baile que não há.
Sentou-se com suas últimas joias.
E olha para o lado, imóvel.

Está vendo os salões que se acabaram,
embala-se em valsas que não dançou,
levemente sorri para um homem. ...

O homem que não existiu.

Se alguém lhe disser que sonha,
levantará com desdém o arco das sobrancelhas,
Pois jamais se viveu com tanta plenitude.

Mas para falar de sua vida
tem de abaixar as quase infantis pestanas,
e esperar que se apaguem duas infinitas lágrimas.

[Cecília Meireles] in 'Poemas (1942-1959)

O QUE UNE UMA MULHER A UM HOMEM


O que une uma mulher a um homem não passa por nada do que aparentemente vale. Passa por onde? Não, não: pode não ser por aí, embora seja fundamentalmente por aí. Porque mesmo aí outros poderiam cumprir melh...or, com o acréscimo do resto. Há uma falha (uma falta) essencial na mulher que só um certo homem pode preencher. E não é necessariamente essa. O mais misterioso no domínio das relações é o que se situa nas relações amorosas. Ou seja no que há de mais íntimo, essencial, primeiro do ser humano. Um labregório qualquer, torto, bronco, cabeçudo, pode ser amado pela mulher mais divinal e inteligente e ilustrada e refinada de figura. Haverá, pois, para o homem dois mundos que não comunicam entre si e que se separam na porta do quarto. Poucos são os que a atravessam em glória — idos da rua ou para a rua.

Vergílio Ferreira, in 'Conta-Corrente 1'

A CURVA DOS TEUS OLHOS


A curva dos teus olhos dá a volta ao meu peito
É uma dança de roda e de doçura.
Berço nocturno e auréola do tempo,
Se já não sei tudo o que vivi ...

É que os teus olhos não me viram sempre.

Folhas do dia e musgos do orvalho,
Hastes de brisas, sorrisos de perfume,
Asas de luz cobrindo o mundo inteiro,
Barcos de céu e barcos do mar,
Caçadores dos sons e nascentes das cores.

Perfume esparso de um manancial de auroras
Abandonado sobre a palha dos astros,
Como o dia depende da inocência
O mundo inteiro depende dos teus olhos
E todo o meu sangue corre no teu olhar.

Paul Eluard- in "Algumas das Palavras"
Tradução de António Ramos Rosa

A música me transporta para um mundo no qual a dor não cessa de existir, mas solta-se e tranquiliza-se.

 (Marguerite Yourcenar)
Desconheço o autor da imagem- Google

"Ela é uma menina com uma flor - diria Vinícius.
Mas eu digo mais. Digo, então, que ela é uma menina com uma flor e seus encantos. (...)
E, assim, ninguém a alcança. Vai ver porque ela não é mesmo daqui. Veio de qualquer outro mundo distante, onde o coração pesa mais na balança. De um lugar onde se trocam carinhos na alma."

  (Cris Guerra)
 
É nos teus olhos que o mundo inteiro cabe,
mesmo quando as suas voltas me levam para longe de ti;
e se outras voltas me fazem ver nos teus
os meus olhos, não é porque o mundo parou, mas
porque esse breve olhar nos fez imaginar que
só nós é que o fazemos andar.

  (Nuno Júdice)

DESENCONTRO (1)


Não ter morada
Habitar
Como um beijo
Entre os lábios...

Fingir-se ausente
E suspirar
(o meu corpo
não se reconhece na espera)
percorrer com um só gesto
o teu corpo
e beber
toda a ternura
para refazer
o rosto
em que desapareces
o abraço
em que desobedeces

Mia Couto, no livro- "Raiz de Orvalho e Outros Poemas" (4ª edição)
Desconheço a autor da imagem

QUANDO DIGO, MEL


Quando digo mel, não quer dizer que fale
Nas abelhas e no pólen das flores,
Ou na exaltação da corola no sôfrego ferrão,
Mas tão-somente, na doçura de teus lábios....


Soube disso, quando, a fina polpa de teus dedos,
Transformou meu ventre no maná da tua fome
E me conduziu à fonte de tua sede.

Joaquim MONTEIRO
2013-11-27
(© todos os direitos reservados)

PRAZER, VOCÊ


dentro de mim mora o infinito
e dos olhos pra fora, um íntimo enquadramento
do desconhecido,
da ilusão condicionada...

e consumida pelo hábito do absoluto
que desobedece minha imaginação,
tão genuína e desabitada
pela ideia de que o mundo é cão.
isso me acostumou a ignorar os detalhes,
fez do meu corpo aliado do tempo,
calou meus sentidos
me colocou os olhos de outro
que nunca me reconheceu
e eu solucei por isso:
por ter me reconhecido
como se eu tivesse nascido postumamente.

 (Fernanda Pacheco)
Arte de: Mark Lovett, American

OS POEMAS DE QUASE AMOR


Não alcançarei no vocábulo
O que é olhar, silêncio e útero
Só tentarei em gritos desesperados
Fazer ouvir a existência...

Que sem Ele, sem sentido
Que por Ele, temente à morte
Poder viver mais um dia
Para encontrá-Lo, o Amor.

 (Adriane Garcia)

 
E agora pulsa

Com violência
Bateu nas pedras
E furando-as
Fez falésias....

Duas:
Um ventrículo direito
E um esquerdo.

 (Adriane Garcia)

Todo o silêncio, julgo eu,
é uma segunda solidão a aumentar a primeira.

(António Lobo Antunes)
 
Amei-te com as palavras
com o verde ramo das palavras
e a pomba assustada do coração.

Amei-te com os olhos
o espelho doido dos olhos...

e a sede inextinguível da boca.

Amei-te com a pele
as pernas e os pés
e todos os gritos que trago
por debaixo da roupa.

Amei-te com as mãos
As mesmas com que te digo adeus.

(Rosa Lobato de Faria)

"Uma mulher com a cabeça no teu ombro pode ser o suficiente para a vida valer a pena. E é."


(Pedro Chagas Freitas)