quinta-feira, 14 de agosto de 2014


 'Vou me enganar mais uma vez, fingindo que te amo às vezes, como se não te amasse sempre.'

(Tati Bernardi)

 
Como não sonhar com

a eternidade

se somos o vento e o...


sal da natureza.....

(Jandira Zanchi)

Poema: O Vapor da Noite, inédito.

AMOR DE UNHAS E DENTES


Enterra tuas unhas em meu peito nu

do modo com que os toureiros cravam lanças nos touros vencidos.
...
Quero, um a um, contar os lanhos em minha carne

no dia seguinte, em frente ao espelho,

ao me vestir para trabalhar.

Trinca teus dentes em meu rosto

feito draga no lodo,

faz como se quisesse levar um pedaço cheio da minha barba.

Quero a delícia de me arderem na cara os sulcos avermelhados

quando eu me enfiar no chuveiro de manhã,

depois que você for embora.

Me encharca com teus beijos: que tua saliva fique em minha pele feito perfume que pega na roupa.

Puxa-me pelos cabelos e me leva a boca pro teu meio que em fogo brasa pimenta mordida arde na noite secreta do quarto.

Quero que minhas narinas guardem pelas horas monótonas do expediente o cheiro do teu sexo e que ele resista imaginário ao banho da noite.

(André Giusti)

segunda-feira, 11 de agosto de 2014

HA SEMPRE UMA BRISA


Quantos sóis irradiam a luz
que ilumina o meu espaço
o meu céu
Quando a lua cresce
no horizonte
E a bruma dos tempos se levanta
E dá lugar à presença no monte
...

Quanta luz me invade o espírito
Em noites de pesada insónia
Como se fosse castigo
açoite ou pesadelo
Quando apenas são fragmentos
Em busca do meu segredo

Quanta bruma ensombra meu sonho
No percurso do meu caminho
Quando alegre me detenho
E me escondo na sombra
Dos contornos do desenho

Mas há sempre uma brisa que passa
e repassa
E me encontra no desencontro da vida
E me ajuda nos penhascos da subida

(paxiano)
 
Arte de: Brita Seifert


CHOVO


sentada dentro de mim.
Foste e contigo a tua pele...

que me secava as lágrimas de silêncio.
Contigo foram as mãos, o abraço,
o beijo lavado e inteiro.
Da minha gruta já é doloroso sair.
Os meus olhos, outrora largos,
apertam-se para fugir à chama agressiva.
Estou fria e desabitada.
Vem.
Aqui o tempo partiu do tempo.
Só tu podes consertar os ponteiros despedaçados da
memória.
Contigo os ventos virão
e as aves que tinham desistido,
vão nidificar de novo no meu colo.

(Lília Tavares) - in PARTO COM OS VENTOS (Kreamus, 2013)
 
Foto de: Jaroslaw Datta

UM ABRAÇO IMAGINADO


um abraço imaginado pousou-me hoje no peito
e trouxe com ele o teu jeito
de chegar...

de sonhar
de gostar
com um gosto tão perfeito
cegou-me no seu apertar
incessante
ofegante
de tonalidade brilhante
lembrando um vento solar

por ofuscar-me o olhar
com seu brilho penetrante
as lágrimas que escorreram
por sentir teu abraçar
eram como estrelas d’água
com o sol a cintilar.
um abraço imaginado, deixou-me hoje sozinho
com as mãos tocando o nada
o corpo sem uma morada
e a alma em desalinho

(Nuno Guimarães) - in Pedaços de ti- Livro póstumo, poemas inéditos (Poesia fã clube, 2014)


Arte de: Ignat  Ignatov

O CUME VERTIGINOSO


Este céu que nos cobre
de graça
Esta terra que nos sustenta...

de nada
Este amor que nos alimenta
de afago
Esta vida onde tudo arde
e não se apaga

São as chamas dum fogo novo
Que aos poucos se incendeia
Onde se procura o sopro divino
Alimentado em cadeia
Numa turbulência em desatino

Tão instável quanto inquieta
Tão intensa quanto insegura
Tão agarrada quanto liberta
No rumo certo que se procura

Seiva que a custo se alimenta
Haste dum ramo quase seco
Ânsia que em tudo atormenta

(paxiano)
 
Difícil fotografar o silêncio.
Entretanto tentei. Eu conto:
Madrugada, a minha aldeia estava morta. Não se via ou ouvia um barulho, ninguém passava entre as casas. Eu estava saindo de uma festa,.
Eram quase quatro da manhã. Ia o silêncio pela rua carregando um bêbado. Preparei minha máquina.
O silêncio era um carregador?...

Estava carregando o bêbado.
Fotografei esse carregador.
Tive outras visões naquela madrugada. Preparei minha máquina de novo. Tinha um perfume de jasmim no beiral do sobrado. Fotografei o perfume. Vi uma lesma pregada na existência mais do que na pedra.
Fotografei a existência dela.
Vi ainda um azul-perdão no olho de um mendigo. Fotografei o perdão. Olhei uma paisagem velha a desabar sobre uma casa. Fotografei o sobre.
Foi difícil fotografar o sobre. Por fim eu enxerguei a nuvem de calça.
Representou pra mim que ela andava na aldeia de braços com maiakoviski – seu criador. Fotografei a nuvem de calça e o poeta. Ninguém outro poeta no mundo faria uma roupa
Mais justa para cobrir sua noiva.
A foto saiu legal.

(Manoel de Barros)

"...Livre não sou, mas quero a liberdade. 
Trago-a dentro de mim como um destino. "

(Miguel Torga)

"O silêncio saberá proteger-te a voz, como o ninho protege as aves adormecidas."

(Rabindranath Tagore)

Fotoarte de: Gonzalo Villar

RECOLHI AS TUAS LÁGRIMAS NA PALMA DA MINHA MÃO


Recolhi as tuas lágrimas
na palma da minha mão,
e mal que se evaporaram
todas as aves cantaram...

e em bandos esvoaçaram
em torno da minha mão.
Em jogos de luz e cor
tuas lágrimas deixaram
os cristais do teu amor,
faces talhadas em dor
na palma da minha mão.
 
(António Gedeão)

ESPERO-TE NO TEMPO


Quando te espero no tempo
Sinto apenas saudade
e ausência
Antes da vida e depois ...

da permanência
Antes de tudo o que sois
Fica a memória da essência

És tu que fazes nascer os dias
As auroras
e as manhãs sem vento
O perfume das pétalas aladas
As folhas inertes caladas
Nas dobras profundas do tempo

És tu que dás cor aos meus dias
Quando a mente já entorpecida
Desce à terra empobrecida
Liberta a tua face do rubor
Que arde nas chamas d’amor

Depois sozinho neste lugar
Vejo a sombra no teu espaço
E na fronteira do invisível
Cai aroma de leve perfume
Na saudade que arde no lume

Somos apenas um pouco de alento
No caminho que te espero… no tempo

(paxiano)

Sabes?
Eu gosto de ti
Muito
Mas não consigo dizer-te quanto

De qualquer maneira...

Como não me canso de repetir o teu nome
E como te desejo assim
Eu acho que gosto de ti com a Vida Inteira
(...)

(Francisco Caeiro)

Arte de: Renata Domagalska

"(...)e nós que morávamos um no outro, ficamos sem casa. Perdoe a falta de abrigo, é que agora eu moro no caminho."

 (Marla de Queiroz)

Fotoarte de: Michal Karcz
 
Quem me quiser há-de saber as conchas
a cantigas dos búzios e do mar.
Quem me quiser há-de saber as ondas
e a verde tentação de naufragar.
Quem me quiser há-de saber as fontes,
a laranjeira em flor, a cor do feno,...

à saudade lilás que há nos poentes,
o cheiro de maçãs que há no inverno.
Quem me quiser há-de saber a chuva
que põe colares de pérolas nos ombros
há-de saber os beijos e as uvas
há-de saber as asas e os pombos.
Quem me quiser há-de saber os medos
que passam nos abismos infinitos
a nudez clamorosa dos meus dedos
o salmo penitente dos meus gritos.
Quem me quiser há-de saber a espuma
em que sou turbilhão, subitamente
– Ou então não saber a coisa nenhuma
e embalar-me ao peito, simplesmente.
 
(Rosa Lobato de Faria)
Arte de: Soledad Fernandez

INTIMIDADE


A um floco de nuvem
murmurei segredos
que se tornaram
doces palavras de Amor...

sopradas aos ouvidos do tempo…
É assim a magia
de contigo estar
em todos os momentos…

e em cada desencontro
Procuro-te…
recebo o teu braço na brisa,
o teu sorriso na luz,
a tua palavra em cada linha traçada
e assim…naturalmente
se tecem todos os encontros

(Ana Fonseca) - in No Leito do Meu Pensamento (Universus, 2011

AMOR MERECIDO


Lavei os pés na água que cai do céu
Pedi ao vento a sua força e rapidez
Para te poder acompanhar
Implorei ao pôr-do-sol e à lua...

O saber de todos os amantes
Para entrar no teu Mundo
E poder dar-te o AMOR que mereces

(Autor. A.C.) - 07/08/14
 
Dorme enquanto eu velo...
Deixa-me sonhar
Nada em mim é risonho.
Quero-te para sonho,
Não para te amar.
...

A tua carne calma
É fria em meu querer
Os meus desejos são cansaços.
Nem quero ter nos braços
Meu sonho do teu ser.

Dorme, dorme. dorme,
Vaga em teu sorrir...
Sonho-te tão atento
Que o sonho é encantamento
E eu sonho sem sentir.

(Fernando Pessoa)

ONDE QUER QUE ENCONTRES O ESCRITO


Onde quer que o encontres

escrito, rasgado ou desenhado:
...

na areia, no papel, na casca de

uma árvore, na pele de um muro,

no ar que atravessar de repente

a tua voz, na terra apodrecida

sobre o meu corpo – é teu,

para sempre, o meu nome.

(Maria do Rosário Pedreira) - in Nenhum nome depois (2004),

in Poesia Reunida Quetzal, 2012)
 
Arte de: Carrie  Vielle

INCONSTÂNCIA


Procurei o amor que me mentiu.
Pedi à Vida mais do que ela dava.
Eterna sonhadora edificava
Meu castelo de luz que me caiu!
Tanto clarão nas trevas refulgiu,...

E tanto beijo a boca me queimava!
E era o sol que os longes deslumbrava
Igual a tanto sol que me fugiu!
Passei a vida a amar e a esquecer...
Um sol a apagar-se e outro a acender
Nas brumas dos atalhos por onde ando...
E este amor que assim me vai fugindo
É igual a outro amor que vai surgindo,
Que há de partir também... nem eu sei quando...
 
(Florbela Espanca) -in "O livro de Sóror Saudade"


Preciso te encontrar, minha imaginação vem se esforçando demais para continuar as lembranças.

(Fabrício Carpinejar)
 
Arte de: Dellorco


UM BREVE SOPRO


Um breve sopro,
talvez uma ténue aragem
um rumor de pássaro iniciando um voo
quiçá um nenúfar suspenso na aguagem...

do rio desfalecido que já sou.

Um leve, quase impercetível pulsar
na fímbria esquecida do coração
um velho mas renovado despertar
no tardio florir do desejo e da paixão.

Um instante riscado no cristal do tempo
talvez um tempo vestido pelo avesso
quem sabe se o amargo deslumbramento
que sinto e desencanto em cada verso.

(Miguel Afonso Andersen) - in A aparição de Sofia
 
Arte de: Alberto Pancorbo
 


O SILÊNCIO


Quando a ternura
parece já do seu ofício fatigada,
e o sono, a mais incerta barca,
inda demora,...

quando azuis irrompem
os teus olhos
e procuram
nos meus navegação segura,
é que eu te falo das palavras
desamparadas e desertas,
pelo silêncio fascinadas.

(Eugénio de Andrade) - in Obscuro Domínio

quinta-feira, 7 de agosto de 2014


Amar é beber um cheiro.
É transporta-lo para dentro de nós.
Amamos uma mulher quando cheiramos ao seu cheiro...

(João Morgado)

"...
a cama é exígua para dormirmos lado a lado,
mas algum de nós está a pensar em dormir quando se deita?,
eu não,
logo vi,
eu também não,...

que indecência,
chegas-te para cá, chegas?..."

 (
Pedro Chagas Freitas) - Excerto do texto # 109

FATALIDADE


Não sei tecer
senão espumas,
nuvens

e brumas.
Coisas breves,
leves,
que o vento desfaz.

Como prender-te
em teia tão frágil?

(Luísa Dacosta )- in A Maresia e o Sargaço dos Dias

"A mulher é uma flor que se estuda, como a flor do campo, pelas suas cores, pelas suas folhas e sobretudo pelo seu perfume."


(José Alencar)

"...
amar é guardar com o outro o segredo que partilhamos com ele,
quem não entende isto não entende nada,
nem mesmo o vento humilde das nossas respirações sem destino,
ainda bem que só elas não sabem para onde vão,
o resto sabe,..."

 (
Pedro Chagas Freitas)- Excerto do texto #112

HORAS RUBRAS


Horas profundas, lentas e caladas
Feitas de beijos rubros e ardentes,
De noites de volúpia, noites quentes
Onde há risos de virgens desmaiadas......

Oiço olaias em flor às gargalhadas...
Tombam astros em fogo, astros dementes,
E do luar os beijos languescentes
São pedaços de prata p'las estradas...
Os meus lábios são brancos como lagos...
Os meus braços são leves como afagos,
Vestiu-os o luar de sedas puras...
Sou chama e neve e branca e mist'riosa...
E sou, talvez, na noite voluptuosa,
Ó meu Poeta, o beijo que procuras!

(Florbela Espanca) - in "Livro de Sóror Saudade

MUSA


Desejava ser a musa de um poeta...
Não aquela inalcançável, inatingível;
Não aquela de seus sonhos
Nem um desejo impossível!
Desejava ser a musa de um poeta...
Mas aquela real... palpável!
Aquela com quem ele realizasse
Suas fantasias ardentes;
Aquela que a cada beijo trocado
E após cada noite de amor
Ele pudesse desfalecer feliz,
Recebendo doces carinhos, 
Em seu corpo cansado e saciado...
E que a cada amanhecer
Ele, ao despertar encontrasse,
Não apenas a musa, ao seu lado
Mas também a mulher e a amante
Toda sua, envolvida nos seus braços.
- Desejava ser...
Tua musa, meu amor.

(Nádia Santos)
05/08/14 
 
Escultura de: Auguste  Rodin

quarta-feira, 6 de agosto de 2014

NO VELUDO DOS TEUS OLHOS



Sonhadora
De pensamentos ao largo
de olhos postos no vento
com o areal nos dedos...

e o coração ao leme
deste momento

Sei-te em mim
No turbilhão
Que me aquece o sangue
Me acalma a mente
Me deixa exangue

E abandonada em mim
entrego-me-Te
Às palavras
Onde em cofre guardadas
Serão alma iluminada
Sentimentos

Só te peço…
Guarda-me-te
Deita fora a chave
Esquece os códigos
Que eu saberei lê-los
No veludo dos teus olhos…

(Ana Fonseca)