sexta-feira, 12 de junho de 2015

A TUA BOCA


Beijo os teus dedos de sol e vento,
E fico dividida entre o sabor a sal
E o poema escrito nas linha da tua mão....
Beijo os teus lábios e a brisa pára
Para segredar-me que o mar é doce,
Enquanto fecho o livro de búzios
E o poema na volúpia naufraga

(Manuela Alves)- in Colectânea de Poesia Contemporânea da Beira Interior 2001 (Kreamus, 2001)

Arte de: Mady Tsung

MARÉ CHEIA


És barco, ondulante, no mar de espuma do meu
corpo
e eu......
maré cheia de amor, por ti.

(Ana Fonseca da Luz) -in Recados D'Alma

SEGREDOS


...queria que um olhar bastasse
para perceberes aquilo que nunca te direi...
ou então......
que os meus olhos fossem borboletas
e os teus, rubras flores
para eu nelas poisar.
depois...
depois dizia-te todos os segredos
que a minha boca tem vergonha de contar...

(Ana Fonseca da Luz) -in Recados D'Alma

Arte de: Anny Maddock, 1954

UM RIO EM MIM


Há um rio que me corre,
Em veias de sono e sonho,
Vagabundo de margens,...
Beijando-as..
Do nascente ao poente,
...Viagens que todo o rio tem...
Um dia chegou de mansinho,
À casa onde me habito,
Passou... espreitou e entrou,
Dormiu comigo na cama,
em suaves lençóis de carmim!
(Ai!) este rio que nasce,
Adormece onde corre,
Acorda por onde passa,
E sonha...
Murmúrios dolentes de segredos.
Afinal (todo) o rio,
Que me foge... é Assim!

(Cristina Correia) - in, Nas Margens do Meu Rio

Arte de: Mandy  Tsung

SOBRE O REGAÇO


Sobre o regaço tinha

o livro bem aberto;...

tocavam em meu rosto

seus caracóis negros.

Não víamos as letras

nem um nem outro, creio;

mas guardávamos ambos

fundo silêncio.

Por quanto tempo? Nem então

pude sabê-lo.

Sei só que não se ouvia mais que o alento,

que apressado escapava

dos lábios secos.

Só sei que nos voltámos

os dois ao mesmo tempo,

os olhos encontraram-se

e ressoou um beijo.

(Gustavo Adolfo Bécquer)



MONÓLOGO DO TEMPO


Não sei das estações que passam em mim, nem das silhuetas que desfilam em sintonia quase perfeita.
Por vezes translúcidas e outras não sabem que nome lhes possa dar.
Dizem que tudo mudou, até o tempo, e eu acho que o tempo mudou no tempo em que nós nos esquecemos de ter tempo. Por isso eu não sei as estações em mim nem no tempo....
Todas as palavras flutuam e caem desprotegidas no papel que não tem culpa de todas as frases que se forjam e se escrevem e nada dizem. Que por vezes dizem sem querer e sem querer não dizem o que se quis dizer.
Dizem que anda tudo nas nuvens e quando eu olho o céu com as nuvens destrambelhadas costumo dizer:
- Hoje os anjos não varreram o céu!
Não sei das estações que passaram em mim…não sei, e também não me importa saber…

(Piedade Araújo Sol) 2008-10-07

A DEMORA



O amor nos condena: 
demoras 
mesmo quando chegas antes. ...
Porque não é no tempo que eu te espero. 

Espero-te antes de haver vida 
e és tu quem faz nascer os dias. 

Quando chegas 
já não sou senão saudade 
e as flores 
tombam-me dos braços 
para dar cor ao chão em que te ergues. 

Perdido o lugar 
em que te aguardo, 
só me resta água no lábio 
para aplacar a tua sede. 

Envelhecida a palavra, 
tomo a lua por minha boca 
e a noite, já sem voz 
se vai despindo em ti. 

O teu vestido tomba 
e é uma nuvem. 
O teu corpo se deita no meu, 
um rio se vai aguando até ser mar. 


(Mia Couto)- in " idades cidades divindades"

MUDO TUDO



Abrigo-me de ti
de mim não sei
há dias em que fujo...
e que me evado


há horas em que a raiva
não sequei
nem a inveja rasguei
ou a desfaço


Há dias em que nego
e outros onde nasço


há dias só de fogo
e outros tão rasgados


Aqueles onde habito com tantos
dias vagos



(Florbela Espanca)


É quando fecho os olhos que vejo melhor tudo
o que se esconde dentro de mim.



(José Gabriel Duarte)- As Cores do Desejo: poemas improváveis

Editora, Versbrava 2014

Arte: Michael Lukasiewiez

(DES) CONTRUÇÃO



Ao querer descrever-me
escrevo frases sem sentido
palavras erradas...
letras trocadas


Vejo-me em imagens distorcidas
com legendas mentidas
leio virtudes inventadas
fraquezas reduzidas


Ao querer descrever-me
desconstruo-me
e denuncio-me
para que eu não seja outro

Como se não fosse eu...

(José Gabriel Duarte)- As Cores do Desejo: Poemas improváveis
Editora, Versbrava 2014

Arte de: Micchael Lukasiewiez

COMO O TEMPO



Sou tempestade
Ora sou bonança
Sou chuva e sou vento



Sou calor e Sol
Ora encoberto
Num momento



Sou como o tempo
aleatório
até ser visto



Sou fiel
Sou crente
no culto do imprevisto.



(José Gabriel Duarte)-As Cores do Desejo: Poemas improváveis
Editora, Versbrava 2014

Imagem de: Old&Timer