quinta-feira, 24 de abril de 2014


Se eu pudesse dar-te aquilo que não tenho
e que fora de mim jamais se encontra
Se eu pudesse dar-te aquilo com que sonha
se o que só para mim poderá ter sonhado

Se eu pudesse dar-te o sopro que me foge...

e que fora de mim jamais se encontra
Se eu pudesse dar-te aquilo que descubro
e descobrir-te o que de mim se esconde

Então serias aquele que existe
e o que por mim poderá ter sonhado

 Anna Hatherly- in idade da escrita, Ed. Tema 1998
Arte de: Anna Razumovskaya


Procuro-te...

nos livros
nos contos
nas prosas
...

(em nada te encontro)

és poema
o poema
perdido em mim

 (Sonie Marie)


Amizade, casamento de dois seres que
não podem dormir juntos.

  (Rules Renard)

LUZ INTERMITENTE



Há um longe que não alcanço
No desgaste do meu sentir
Não sou eu que me encontro
Nem sempre hábil e solto...

Mas quem me encontra a seguir

Nem sempre estou de pé firme
Nem sempre a ribeira me arrasta
Num lastro que se afirma
Mas quando ela se afasta
Sou apenas a árvore que se gasta

Este sentir que se desvanece
Despe-se do nada para sonhar
A pele vistosa que não vesti
Cabe-me apenas no que senti

Há um longe que fica tão perto
Da luz intermitente
Morada seguida no meu deserto

  (paxiano)

Apetecia-me baixar a guarda. Baixar muros e desconstruir paredes. Abrir portas e janelas. Arejar a mente e deixar entrar o sol. Dizer que sim. Dizer o quanto me apetece. Dizer-te "anda". Chamar-te a mim. Mostrar-me a mim. Descobrir-te a ti.

  (Rita Leston)
...
Não fui eu que te quis. E não sou eu
Que hoje te aspiro e embalo e gemo e canto,
Possesso desta raiva que me deu
...

A grande solidão que de ti espero.
A voz com que te chamo é o desencanto
E o esperma que te dou, o desespero.

  (Ary dos Santos)

sexta-feira, 11 de abril de 2014



Nem a noite nem o sonho puderam separar-nos. Dormi contigo, amor, despertei, e tua boca saída de teu sono me deu o sabor da terra, de água-marinha, de algas, de tua íntima vida, e recebi teu beijo molhado pela aurora como se me chegasse do mar que nos rodeia.

(Pablo Neruda)

GRITAR



Aqui a acção simplifica-se
Derrubei a paisagem inexplicável da mentira
Derrubei os gestos sem luz e os dias impotentes
Lancei por terra os propósitos lidos e ouvidos
Ponho-me a gritar
Todos falavam demasiado baixo falavam e
                                                             [escreviam
Demasiado baixo

Fiz retroceder os limites do grito

A acção simplifica-se

Porque eu arrebato à morte essa visão da vida
Que lhe destinava um lugar perante mim

Com um grito

Tantas coisas desapareceram
Que nunca mais voltará a desaparecer
Nada do que merece viver

Estou perfeitamente seguro agora que o Verão
Canta debaixo das portas frias
Sob armaduras opostas
Ardem no meu coração as estações
As estações dos homens os seus astros
Trémulos de tão semelhantes serem

E o meu grito nu sobe um degrau
Da escadaria imensa da alegria

E esse fogo nu que me pesa
Torna a minha força suave e dura

Eis aqui a amadurecer um fruto
Ardendo de frio orvalhado de suor
Eis aqui o lugar generoso
Onde só dormem os que sonham
O tempo está bom gritemos com mais força
Para que os sonhadores durmam melhor
Envoltos em palavras
Que põem o bom tempo nos meus olhos

Estou seguro de que a todo o momento
Filha e avó dos meus amores
Da minha esperança
A felicidade jorra do meu grito

Para a mais alta busca
Um grito de que o meu seja o eco.

Paul Eluard, in "Algumas das Palavras"
Tradução de António Ramos Rosa

NA LUZ DE UM OUTRO OLHAR

 
Há dias em que a estrada é linda
E os passos não se contam
Há dias em que nos sentimos longe
Na serena luz que finda
Sem gente nem flores
Ninguém nos vê mas estamos
Somos
Ficamos
Na cor de um outro olhar
 
Edgardo Xavier, in Amor Despenteado (Casa das Cenas, 2007)

GOSTARIA TANTO

 
Gostaria tanto….
De tocar a superfície da maresia
Com as minhas mãos sedentas e sentir-te apelo…
Gostaria tanto …
De escrever-te pétalas tinta sorriso
E declamar-te com os teus versos partilha…
Gostaria tanto…
De amar-te murmúrio doce
Na tua entrega paixão querer de ti segredo nosso…
Gostaria tanto…
De dizer-te o que me queres soletrar
No prolongar infinito do teu enleio alma…trajecto redacção…
Gostaria tanto…
De ouvir as tuas canções nossas
E invejar o teu saber dizer de poemas versus coração…
Gostaria tanto…
De me render à tua “luta” apego
E ficar prisioneiro do único amor com o amor que entoas…
Gostaria tanto…
De nada saber e tudo me ensinares
No cultivar sólido de sabores teus…doados nossos…
Gostaria tanto…
De correr para ti…como menino carente
No fim de cada minuto saudade e sorrir no teu abraço abrigo…
Gostaria tanto…
De aprender contigo a moldar a cor do acto
E suspirar no acreditar da certeza página presente…
Gostaria tanto…
Que me escrevesses um poema silêncio
Em grito surdo de respiração suspensa …para lá do possível
Gostaria tanto
De nunca ter de conjugar verbo no passado
Porque a tua caligrafia semeia sempre futuro
em cada escrita dita…hoje presente…
Gostaria tanto…
De chorar …apenas para apagar vulcões de êxtase
Que me dás em oferta solta almejo de vida sempre a colorir…
Gostaria tanto…
De dizer-te paixão…com um obrigado abençoado…
Porque se Deus existe…tu és o Universo da felicidade…
Gostaria tanto…
De nunca findar este caminhar a dois
Onde exigisses amor com amor…até ao beijo final….
Gostaria tanto…
De dizer tanto…e tanto ouvir…
No tanto que há para viver…no tanto que há para amar…no tanto que há para dizer
Gostaria tanto…
De não te conhecer…e puxares a minha mão
Para te conhecer e percorrer estrada rio… nascente foz… mar… horizonte…sofreguidão conhecimento…o teu jardim…
Gostaria tanto…
De ouvir a tua verdade…nas verdades que tens…
Bálsamo fidelidade…código único…
Gostaria tanto…
Que a única diferença de sermos…fosse a interpretação
Homem …mulher…nunca o esgrimir
posições …porque somos…
Gostaria tanto…
De acordar…com o teu acordar…
E sentir-me com o teu acordo do acordo que rubricámos…
 
José Luís Outono, in Da Janela do meu (A)Mar (Ed. Vieira da Silva, 2011)