quinta-feira, 31 de julho de 2014

AS MÃOS


Tenho uma mão pousada no teu peito,
E a outra mão quieta
E é com essa mão, a que está quieta
Que te afago o pescoço e te beijo os olhos
A outra continua pousada no teu peito

E pegas-me a mão,
A que está quieta
E fá-la passar na tua assombrosa embarcação
E já não sei qual a esquerda e qual a direita
Porque de costas, elas mudam de posição
E como uma continua no peito e outra na tua mão
Pinto-te com a boca e espalho a cor com os cabelos
E não tenho mãos, só dedos
E é com eles que te desato os medos!...


(Elsa Pacheco)

Gosto tanto de ti
Penso tanto em ti
Desejo-te tanto
E vejo em ti tamanha perfeição…

Que quando estou assim mais triste
Aqui só e sem te ver

Consigo que o vento tenha a tua voz
E consigo ler as tuas palavras nos ruídos que ele faz

(Francisco Caeiro)


sexta-feira, 25 de julho de 2014

ADORAÇÃO


Eu não te tenho amor simplesmente. A paixão
Em mim não é amor: filha, é adoração!
Nem se fala em voz baixa à imagem que se adora.
Quando da minha noite eu te contemplo, aurora,...

E, estrela da manhã, um beijo teu perpassa
Em meus lábios, oh! quando essa infinita graça
do teu piedoso olhar me inunda, nesse instante
Eu sinto - virgem linda, inefável, radiante,
Envolta num clarão balsâmico da lua,
A minh'alma ajoelha, trémula, aos pés da tua!
adoro-te!... Não és só graciosa, és bondosa:
Além de bela és santa; além de estrela és rosa.
Bendito seja o deus, bendita a Providência
Que deu o lírio ao monte e à tua alma a inocência,
o deus que te criou, anjo, para eu te amar,
E fez do mesmo azul o céu e o teu olhar!

(Guerra Junqueiro)

Não perdi nada, apenas a ilusão de que tudo podia ser meu para sempre.”
(Miguel Sousa Tavares)

UM DIA VIREI


Um dia virei
colado a um verso, embrulhado
numa folha, dobrado
a um canto,...


para que os teus lábios
me ciciem, os teus olhos
me beijem

e eu não saiba

e eu não sinta.

(Albano Martins)

Fotografia de: Anca Cernoschi
 
Não sei quem sou, que alma tenho.
Quando falo com sinceridade não sei com que sinceridade falo..
Sinto-me múltiplo.
Sou composta por urgências: minhas alegrias são intensas; minhas tristezas absolutas.
Me entupo de ausências, me esvazio...
de excessos. Eu não caibo no estreito, eu só vivo nos extremos.

(Clarice lispector)

Arte de: Giovanni Ruggieri Ghetto

O amor nos tira o sono, nos tira do sério, tira o tapete debaixo dos nossos pés, faz com que nos defrontemos com medos e fraquezas aparentemente superados, mas também com insuspeitada audácia e generosidade.

(Lya Luft)

Arte de: Giovanni Ruggieri

quinta-feira, 24 de julho de 2014


" (..) Restam-me, afinal, os grãos de poeira que assinalam os contornos daquilo que, agora, é apenas o sinal da tua ausência. Apenas um frágil fio de vida me liga a ti.
Foram dias e dias em que a noite escura assolou o meu coração; a minha alma estava a ir-se ."

(Maria João Saraiva) - A Dor que me Deixaste

TU CHORAVAS


Tu choravas e eu ia apagando

com os meus beijos os rastos das tuas lágrimas...


- riscos na areia mole e quente do teu rosto.

Choravas como quem se procura.

E eu descobria mundos, inventava nomes,

enquanto ia espremendo com as mãos

o meu sangue todo no teu sangue.

Não sei se o mundo existia e nós

existiamos realmente.

Sei que tudo estava suspenso,

esperando não sei que grave acontecimento,

e que milhares de insectos paravam e

zumbiam nos meus sentidos.

Só a minha boca era uma abelha inquieta

percorrendo e picando o teu corpo de beijos.

Depois só dei pela manhã,

a manhã atrevida,

entrando devagar, muito devagar e

acordando-me.

Desviei os meus olhos para ti:

ao longo do teu corpo morriam as estrelas.

A noite partira. E, lentamente,

o sol rompeu no céu da tua boca.

(Albano Martins)

O AMOR É INEVITÁVEL


(O Amor) É inevitável, faz parte da combustão da natureza, é força, mar, elemento, água, fogo, destruição, é atmosfera, respira-se, quando se morre abandona-se, o amor deixa, fica isolado, é um elemento, come-se, bebe-se, sustenta pão, pão diário para rico e pobre, pão que ilumina o forno do amassador, aparece nas condições mais estranhas, bicho que nasce, copula dentro de si mesmo, paira, espermatozóide e óvulo, as duas coisas ao mesmo tempo, amor é assim outro elemento fundamental da natureza, as pessoas vivem tanto com o amor, ou tão alheias do amor, que nem notam, raro percebem que o amor existe, raro percebem que respiram, que a água está, é indispensável, ninguém pode viver alheio aos elementos, ao amor. 

[Ruben A]- in 'Silêncio para 4'

Arte de: Nik Helbig

NO UNIVERSO DOS SENTIDOS


Não sei dizer-te muita coisa…
sinto que há palavras que me tombam quando chegam à boca
como se a morte me espreitasse, como um destino inexorável
do qual não pudesse regressar

por isso as engulo sem saliva
ficando no silêncio mudo do meu corpo
esperando-te.
Outras fogem-me aos soluços como um lamento ou uma alegria breve
tão breve como a palavra
tão sentida como um beijo, uma caricia
aí desfaz-se a mudez e, por instantes, abre-se o sorriso
ao mundo.
Depois ainda as outras que me mantêm cativa…
essas escorregam-me pelo corpo como uma flor que se desfolha
quantas vezes consentida corola desnuda
perpetuando a nudez pelo universo do quarto
em crescente…

Não sei dizer-te muita coisa
Na verdade, não sei se alguma vez te soube dizer alguma coisa em palavras

Ou se apenas as sentiste.

(Teresa Brinco de Oliveira) -a publicar

 
''Amarrotamos o pano-cru
Que reveste o nosso leito
E deixo que o meu peito nu
Vista a nudez do teu peito.
E fica a minha pele
Colada na tua pele...

Em bagas de lume a transpirar
Até sentir sem queixume,o teu corpo
Apaixonar-se pelo meu corpo,
Devagar ,bem devagar...''

(João Morgado) " Condenado", in Rio de Doze Águas

Antologia poética de doze autores com prefácio de Joaquim Pessoa


Há histórias de amor
que ultrapassam
os amantes.
Ultrapassam até
a morte dos amantes.
 
(Desconheço o autor)

DAS EMOÇÕES


 A nudez do teu corpo é ideia que vaga solta no campo da fantasia, abre portas, ressuscita sonhos e incendeia as minhas emoções.

(Ademir Antônio Bacca)


FRUTOS


Quando a amada oferece
o seu corpo, ela sabe
que dos frutos apenas
se colhe o sabor....

É então
que os dedos
separam as películas,
que a lâmina desce e a água
e o fogo se misturam.
E é então que a vida
e a morte convivem
sob o mesmo tecto.

(Albano Martins)-in Escrito a vermelho

segunda-feira, 7 de julho de 2014

DIVAGAÇÕES


Sinto o mar alterado
como se fosse crista da onda
Como se fosse balanço da caravela
de mastro levantado...

Em fase de céu estrelado
dum azul sem tempo
Disfarçando um arfar ansioso
do mar cá dentro

Sinto depois a serra elevada
Como se fosse giesta tenra
de raiz levantada
Amor primeiro em crescimento
Com sabor a zimbro e framboesa
Dentro do espaço e do tempo
Aroma cristalino da natureza

Sinto assim o palpitar do momento
Onde o brilho se consome
sem se ver…
E a voz se desvanece
Na primeira encruzilhada
que se cruzou
Num assomo de vida e aparece

Somos feitos dum momento
Com o sabor agridoce do tempo

 (paxiano)
 
Fotoarte de: Antonio Mora
 



Quando eu morrer voltarei para buscar
os instantes que não vivi junto do mar

[Sophia de Mello Breyner Andresen]

O TEU NOME BEIJOU A LUA


O teu nome beijou a lua
O teu nome beijou a lua
e a noite deitou-se nos teus braços
para encontrar o sentido dos sonhos.

(António Carlos Santos)- Poema do livro, a Geometria do Amor

DA GEOMETRIA DO AMOR


Em pedaços de caligrafia
cintila o eco profundo
da geometria do Amor.

(António Carlos Santos)

Para fazer amor é preciso mais, muito mais, do que despir o corpo. É preciso despir o ser até à inocência. E entregarmo-nos nus, despidos do mundo e sem medo de perder a alma.
 
(João Morgado) - In Diário dos Infiéis

Arte de: Alex Chernigin
 

O VÉU


Não te conheço o corpo, nem o rosto, nem sequer o olhar

Não ouvi a tua voz, não senti o teu abraço, nem o calor do teu corpo
...

Um véu cobre a minha imaginação, cobre-te a ti, leva-te para longe

Não tenho na parede uma foto tua pendurada, não captei o momento

És a minha folha de papel em branco, em que escrevo e desenho

Na qual crio sonhos e fantasias, e me perco em sonhos sem fim

Cai a noite e com ela adormeço, e na escuridão é o toque dos teus lábios

Que tocam os meus, numa fantasia sem rosto, escondido por esse véu que trazes

E que nunca o tiras

(Desconheço o autor)
 

E naquele momento eu pensei que poderíamos ser infinitos, se fossemos música.
E isso explica tudo...mas ninguém entende!

(Paulo Fernandes)

Se o tempo envelhecer o meu corpo, mas não
envelhecer as minhas emoções...
Nunca serei tão triste!

(Paulo Fernandes)

SOMOS


Somos vida
Somos sonho
Somos alma
Há sempre um mistério que nos ultrapassa...

Existe uma passagem para o infinito
Existe um corpo um olhar
Um sentir um coração para amar
Existe um silêncio, um grito!

(Rosa Resende)

Foto de: Isabella Rossilline

O espelho enche-se com a tua
imagem; e queria tirá-lo da tua
mão, e levá-lo comigo, para
que o teu rosto me acompanhe
onde quer que eu vá.
...

Mas sem ti, o espelho
fica vazio; e ao olhá-lo, vejo
apenas o lugar onde estiveste, e
os olhos que os meus olhos procuram
quando não sei onde estás.

Por que não fechas os olhos
para que o espelho te prenda, e
outros olhos te possam guardar,
para sempre, sem que tenham de olhar,
no espelho, o rosto que eu procuro?

 (Nuno Júdice)

Arte de: Francine Van Hove

PELAS FLORES QUE NÃO TE DEI...


Pelas flores que não te dei...
Aguardo-te ao luar
e no céu dos sonhos
colherei as estrelas para ti....


( António Carlos Santos) - Poema do livro: "da Geometria do Amor. 



PALAVRAS DE SANGUE


O poeta que nasce é uma criança parida em água torturada uma nave que surge uma nuvem que dança ao mesmo tempo livre e condensada.
O poeta que nasce é a matança da palavra demente e enjeitada que o chicote do poema torna mansa depois de possuída e mal amada.
Quando o poeta nasce a madrugada aperta os versos num abraço rouco até que a noite fique esvaziada.
E enquanto das palavras pouco a pouco surge a forma perfeita ou agitada no mundo morre um deus ou nasce um louco.


(José Carlos Ary dos Santos)

Arte de: Barbara Bezina

Há feridas que sangram sem sangrar
Sangue que jorra e se transforma em flor
Rosas que são gotas de orvalho
Espelhos da minha imaginação
Que se transfiguram no meu amor por ti....

Quando o tempo amainar, e o mar ficar raso
Haverá uma praia, um mar dentro de mim
Haverá um tempo para o amor e o mar.
Navegaremos juntos
O meu mar está dentro de ti.

(António Alves)


Foto de: Noells S. Oszvald

Quando aqui não estás
o que nos rodeou põe-se a morrer

a janela que abre para o mar
continua fechada só nos sonhos...

me ergo
abro-a
deixo a frescura e a força da manhã
escorrerem pelos dedos prisioneiros
da tristeza
acordo
para a cegante claridade das ondas

um rosto desenvolve-se nítido
além
rasando o sal da imensa ausência
uma voz

quero morrer
com uma overdose de beleza

e num sussurro o corpo apaziguado
perscruta esse coração
esse
solitário caçador

(al berto)

Todas as manhãs, é a saudade que me acorda. Sei que não deixo os sonhos na cama, por virem resgatados, tal como eu, na pele que me veste - Quem disse que os sonhos apenas chegam na adormecida noite? Procurem.nos, encontrem.nos, por aí a deambular durante o dia... 

E todas as manhãs passamos a acordar a saudade.
 
( Luís Santos)