segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

AUDÁCIA


Dispo-me de roupa e de preconceitos

Chuto contra a parede sapatos e tabus
...

Fico assim exposta e disposta

A nudez confiante e desafiante

O corpo pergunta

Esperando resposta

Esperando audácia no avanço do teu.

(Encandescente)

Arte de: Gianni Strino - Pintor Italiano

ABRAÇO IMAGINADO


um abraço imaginado pousou-me hoje no peito
e trouxe com ele o teu jeito
de chegar
...
de sonhar
de gostar
com um gosto tão perfeito
cegou-me no seu apertar
incessante
ofegante
de tonalidade brilhante
lembrando um vento solar

por ofuscar-me o olhar
com seu brilho penetrante
as lágrimas que escorreram
por sentir teu abraçar
eram como estrelas d’água
com o sol a cintilar.
um abraço imaginado, deixou-me hoje sozinho
com as mãos tocando o nada
o corpo sem uma morada
e a alma em desalinho

(Nuno Guimarães)- in Pedaços de ti- Livro póstumo, poemas inéditos (Poesia fã clube, 2014)

Hei-de ser o caseiro do teu coração, no sótão do meu.
Guardarei os teus restos num caixote da minha cabeça. Serei quem se lembra de quem tu eras e em nada me impedirá o facto de eu não fazer ideia do que isso seja.

(Miguel Esteves Cardoso)

Photography: James Weber


A NOITE DESCE


Como pálpebras roxas que tombassem
Sobre uns olhos cansados, carinhosas,
A noite desce...Ah! doces mãos piedosas
...
Que os meus olhos tristíssimos fechassem!

Assim mãos de bondade me embalassem!
Assim me adormecessem, caridosas,
E em braçadas de lírios e mimosas,
No crepúsculo que me enterrassem!

A noite em sombra e fumo se desfaz...
Perfume de baunilha ou de lilás,
A noite põe-me embriagada, louca!

E a noite vai descendo, muda e calma...
Meu doce Amor, tu beijas a minh'alma
Beijando nesta hora a minha boca!

(Florbela Espanca)- Sonetos

Arte de: Rafael Espitea

SONETO DO DESMANTELO AZUL


Então, pintei de azul os meus sapatos
por não poder de azul pintar as ruas,
depois, vesti meus gestos insensatos
...
e colori as minhas mãos e as tuas,
Para extinguir em nós o azul ausente
e aprisionar no azul as coisas gratas,
enfim, nós derramamos simplesmente
azul sobre os vestidos e as gravatas.
E afogados em nós, nem nos lembramos
que no excesso que havia em nosso espaço
pudesse haver de azul também cansaço.
E perdidos de azul nos contemplamos
e vimos que entre nós nascia um sul
vertiginosamente azul. Azul.


(Carlos Pena Renato Filho)
Arte de: Nenad Mirkovich