quinta-feira, 22 de setembro de 2016

CANSAÇO


Sou a mulher mais cansada do mundo. Fico cansada assim que me levanto. A vida requer um esforço de que me sinto incapaz. Por favor passa-me esse livro pesado. Preciso de pôr qualquer coisa pesada sobre a cabeça. Necessito constantemente de pôr os meus pés sob almofadas para que consiga continuar na terra. De outro modo sinto-me partir, partir a uma velocidade tremenda, tão leve me sinto. Sei que estou morta. Logo que pronuncio uma frase a sinceridade morre e torna-se numa mentira cuja frieza me gela. Não me digas nada, vejo que me entendes, mas tenho receio dessa compreensão, tenho medo de encontrar alguém semelhante a mim e ao mesmo tempo desejo-o. Sinto-me tão definitivamente só, mas tenho tanto medo que o isolamento seja violado e eu não seja mais o cérebro e a lei do meu universo. Sinto-me no grande terror do teu entendimento, meio por que penetras no meu mundo; e que, sem véus, tenha então que partilhar o meu reino.

(Anaïs Nin)





Eu quis tanto ser a tua paz, quis tanto que você fosse o meu encontro. Quis tanto dar, tanto receber. Quis precisar, sem exigências. E sem solicitações, aceitar o que me era dado. Sem ir além, compreende? Não queria pedir mais do que você tinha, assim como eu não daria mais do que dispunha, por limitação humana. Mas o que tinha, era seu.

(caio F. Abreu)

Arte de: By Doc

O QUE FAZER


Eu não sei. Não sei quanto tempo
dura um abraço, e se for longo
demais e começar a ser
...
constrangedor? E se for muito rápido
e a pessoa achar que eu não quero
abraça-la. E se eu não quiser mais
soltar a pessoa? Eu não sei quanto eu
aperto, se eu aperto, onde vão minhas
mãos. Eu falo alguma coisa durante o
abraço? Meu corpo tem de ir de
encontro ao da pessoa ou manter
uma distancia? Eu não sei. Ninguém
nunca me abraçou até aquele dia, até
aquele abraço. Eu não sabia quanto
era viciante, e agora eu morro por um,
de qualquer um. Para ver se eu me
encontro no abraço onde a algum
tempo atrás eu me perdi.

[Fernanda Garcia]

Fotos dos actores: Steve McQueen e Natalie Wood

O abraço,
é uma casa
acolhedora.

(Desconheço o autor)

Todas as palavras do mundo não valem a poesia de um abraço...

(Desconheço o autor)

Photography: Nikkimoore

A VOZ A TI DEVIDA


(...) Ouves como elas pedem realidades,
elas, descabeladas, feras,
elas, as sombras que nós dois forjamos
...
neste tão grande leito de distâncias?
Cansados já de infinitude e tempo
sem medida, do anônimo, feridas
por imensa saudade de matéria,
pedem limites, dias, nomes.
Não podem
viver assim, não mais; estão à beira
do desmaiar das sombras, que é o nada.
Acode, vem comigo.
Estende as mãos, estende-lhes teu corpo.
Os dois lhe buscaremos
uma, uma data, um peito, um sol.
Que descansem em ti, sê tu sua carne.
Calmar-se-á seu grande ansiar errante,
Enquanto avidamente
as estreitamos entre os corpos nossos
onde encontrem seu pasto e seu repouso.
E dormirão enfim em nosso sono
abraçado, abraçadas. E assim logo,
ao separar-nos, ao nutrir-nos só
de sombras, em distâncias,
elas
terão lembranças já, terão passado
de carne e osso,
o tempo que viveram dentro em nós.
E seu sono afanoso
de sombras, outra vez, será o retorno
a esta rósea e mortal corporeidade
onde inventa o amor seu infinito.

[Pedro Salinas]- Tradução de: José Jeronymo Rivera

ALMA DOCE DE OLHOS MAREJADOS

"....
deixa os cabelos voarem com o vento
tira dos lábios, um murmúrio, um lamento..."

(Fátima Abreu) - Pequeno excerto do poema: "Alma doce de Olhos Marejados"

Abre o teu coração com quem conhece a tua alma. Ser sincero, ainda que nesses momentos de intensa dor o falar te custe sangue.

(Jesus Urteaga)

Fotography: Ezgi Polat

COMO É QUE...


Como é que eu,
ouvindo tão mal, distingo
o teu andar desde o princípio do corredor?
...

Como é que eu,
vendo tão pouco, sei
que és tu chegas, conforme a luz?

Como é que eu,
de mãos tão ásperas, desenho
a tua cara mesmo tão longe dela?

Onde está
tudo o que sei de ti
sem nunca ter aprendido nada?

Serei ainda capaz
de descobrir a palavra
que larga o teu rasto na janela?

(Que seria de nós
se nos roubassem os pontos de interrogação?)

(Mário Castrim)

Arte de: Ewelina Ladzinska

QUANDO O AMOR MORRER


Quando o amor morrer dentro de ti,
Caminha para o alto onde haja espaço,
E com o silêncio outrora pressentido
...
Molda em duas colunas os teus braços.
Relembra a confusão dos pensamentos,
E neles ateia o fogo adormecido
Que uma vez, sonho de amor, teu peito ferido
Espalhou generoso aos quatro ventos.
Aos que passarem dá-lhes o abrigo
E o nocturno calor que se debruça
Sobra as faces brilhantes de soluços.
E se ninguém vier, ergue o sudário
Que mil saudosas lágrimas velaram;
Desfralda na tua alma o inventário
Do templo onde a vida ora de bruços
A Deus e aos sonhos que gelaram.

(Ruy Cinatti) - in, Obra Poética ( Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1992)

Photography: Alexander Yakuvlev

VESTE-ME A SEDA


Veste-me a seda
das tuas mãos
serenas
...
Veste-me a roupa quente da tua pele
e aperta-me com o cinto dos teus braços
no lugar onde o meio traz cansaços
Evita que na ausência de ti gele

Recorta-me
em pequenos pedaços
Ata-me em laços
e guarda-me no coração
antes de saíres para o mundo
e bater no fundo
da traição que te apetece

(Edgardo Xavier)

Arte de: Peter Mitchev