domingo, 23 de fevereiro de 2014


Amor não é necessariamente paixão e romance. Também tem a ver com companheirismo e é como um amortecedor para a solidão, creio.

(Woody Allen)

Outras vezes oiço passar o vento,
E acho que só para ouvir passar o vento vale a pena ter nascido.

(Fernando Pessoa)
Desconheço o autor da imagem

DANÇA I


Viver é dançar sem ensaio prévio
A solo ou acompanhado
Sempre dependendo de nós
E do que pode por nós ser dançado....


(José Gabriel Duarte) - Editora Chiado
Escultura de: Camile Claudel

ABRAÇOS DE POESIA


Na música, as notas obedecem
Aos compassos

Na pintura, as sombras desafiam...

Os espaços

Na poesia, os versos são palavras
Que se colocam em abraços.

(José Gabriel Duarte)- Editora Chiado
Arte de: Alena Plihal

(Conheço quase todas
as curvas da vida, mas...

nunca perco de vista
a recta que as endireita)
Agora já não tiro os olhos
daquilo que nunca vi
não arredo pé desse lugar
que em sorte não me calhou

se percorro estas ruas
conto os meus passos e
compenetro-me
não amaldiçoo, não, mas
também não perdoo

o mundo onde nasci foi outro
que eu não escolhi e
se nesta vida passeio o corpo
minha alma, já não mora aqui.

(Bénédicte Houart)
 

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014


E quando me escrevias, era tão belo o que me contavas que me despia para ler as tuas cartas. Só nua eu te podia ler.
(...)

Mia Couto
Imagem de: Alexandre Monntoya.

TE OFEREÇO UMA ROSA...


Hoje queria
oferecer-te uma Rosa
uma Maravilhosa Rosa
talvez uma Rosa rosa...

Rosa do Carinho,
poderia ser azul
Rosa do desejo
ou uma Rosa Branca
candida e pura
como a minha Alma
ou uma Rosa vermelha
Rosa da paixão,
uma Rosa
de petalas imaculadas
nas quais escreverei
como se fossem paginas
de um diario de Amor
onde escreverei
tantas palavras
tantos sentimentos,
onde escreverei
meu amor por ti.
Hoje queria
oferecer-te uma Rosa
oferecida por alguem
que te pensa intensamente,
è uma prenda
de meu Coração,
aceita esta Rosa...

Uma Rosa para Ti desfolharei suas Petalas
em teu coraçao como sonhos enfeitados de Esperança de Alegria de Felicidade...
Uma Rosa para ti para te dizer que te Amo...

Uma Rosa para ti,para encher a tua Vida de Cor...para sentires o seu perfume e com ele meu Amor...

Para que tu
possas compreender
como uma
maravilhosa surpresa
que entre
os caminhos da Vida
nao existem somente
pedras e Dor,
mas tambem
Rosas e Amor..

Aqui te deixo minha Rosa

(Fábulas de Amor - Jasmim Flor.)
Imagem Google

LARANJAL DESEJO


Se desejo uma laranja,
Descasco-a entre o sol tórrido,
Esbracejo refrescante o selo da carne,
A brandura sumarenta dos olhares interiores....

E derrete-se escaldante o sumo dourado
Nas franjas vacilantes de ternura,
Num vaivém que as sílabas desfalecem na boca
Com a primazia de sabores espalmados
Que sobejam na fartura do amor.

Esbanjam os restos de intimidade,
Com reflexões lavadas pela intensidade das cordas poéticas
Que acrescem de liberdade sobre o sono deste amor,
Onde se desenham os curtumes de elasticidade do espírito
E se acende o místico fervor do coração
E se impele o vale do laranjal
Ao vitral do corpo que se inflama de luminosidade.

Joao Vale Lopes
09-02-2014
Imagem Google

SOBRE OS JOELHOS


A flor espalmada entre as folhas
Do livro, esquecido sobre os joelhos,
É o que resta de ti no sentir da ausência.
...

Podia ser as pétalas de uma rosa,
D´um lírio, ou folha de plátano.
Mas não, é um fulvo caracol
Da flor de teu sexo. Do tempo
Em que as maçãs amadureciam
No feno do leito, onde o sol adormecia.

Lembro-me agora; como eram luminosas
As tardes, no desassossego da carne.
Como é límpida a água que me banha o sono,
Das frases a escorrer sobre os joelhos.

Joaquim MONTEIRO
2014-02-02
(© todos os direitos reservados)

Por todas as razões e mais uma. Esta é a resposta que costumo dar-te quando me perguntas por que razão te amo. Porque nunca existe apenas uma razão para amar alguém. Porque não pode haver nem há só uma razão para te amar.

Amo-te porque me...
fascinas e porque me libertas e porque fazes sentir-me bem. E porque me surpreendes e porque me sufocas e porque enches a minha alma de mar e o meu espírito de sol e o meu corpo de fadiga. E porque me confundes e porque me enfureces e porque me iluminas e porque me deslumbras.
Amo-te porque quero amar-te e porque tenho necessidade de te amar e porque amar-te é uma aventura. Amo-te porque sim mas também porque não e, quem sabe, porque talvez. E por todas as razões que sei e pelas que não sei e por aquelas que nunca virei a conhecer. E porque te conheço e porque me conheço. E porque te adivinho. Estas são todas as razões.

Mas há mais uma: porque não pode existir outra como tu.

(Joaquim Pessoa)
in 'Ano Comum'


Cultivei a semente da árvore também para os passarinhos, sem saber se vinham. Mesmo que não viessem, só por aguardá-los, eles já cantavam no meu coração.

(Ana Jácomo)

Não é só tesão, porque eu passaria o resto da minha existência fazendo carinho nos cachos do seu cabelo.

(Tati Bernardi)

se me perguntares por
que fugi, talvez te diga

que os dias contados para trás tão depressa
fazem doer o coração e
...

apenas acrescentam
a incomparável morte das
palavras não mais proferidas.

(João Ricardo Lopes)

"O amor tem a virtude, não apenas de desnudar dois amantes um em face do outro, mas também cada um deles diante de si próprio."

(Cesare Pavese)

TENHO SAUDADES DA CARÍCIA DOS TEUS BRAÇOS


 Tenho saudades da carícia dos teus braços, dos teus braços fortes, dos teus braços carinhosos que me apertam e que me embalam nas horas alegres, nas horas tristes. Tenho saudades dos teus beijos, dos nossos grandes beijos que me entontecem e me dão vontade de chorar. Tenho saudades das tuas mãos (...) Tenho saudades da seda amarela tão leve, tão suave, co...mo se o sol andasse sobre o teu cabelo, a polvilhá-lo de oiro. Minha linda seda loira, como eu tenho vontade de te desfiar entre os meus dedos! Tu tens-me feito feliz, como eu nunca tivera esperanças de o ser. Se um dia alguém se julgar com direitos a perguntar-te o que fizeste de mim e da minha vida, tu dize-lhe, meu amor, que fizeste de mim uma mulher e da minha vida um sonho bom; podes dizer seja a quem for, a meu pai como a meu irmão, que eu nunca tive ninguém que olhasse para mim como tu olhas, que desde criança me abandonaram moralmente que fui sempre a isolada que no meio de toda a gente é mais isolada ainda. Podes dizer-lhe que eu tenho o direito de fazer da minha vida o que eu quiser, que até poderia fazer dela o farrapo com que se varrem as ruas, mas que tu fizeste dela alguma coisa de bom, de nobre e de útil, como nunca ninguém tinha pensado fazer. Sinto-me nos teus braços defendida contra toda a gente e já não tenho medo que toda a lama deste mundo me toque sequer.

Florbela Espanca, in "Correspondência (1920)"

Num momento, num olhar, o coração apanha-se para sempre. Ama-se alguém. Por muito longe, por muito difícil, por muito desesperadamente. O coração guarda o que se nos escapa das mãos. E durante o dia e durante a vida, quando não está lá quem se ama, não é ela que nos acompanha – é o nosso amor, o amor que se lhe tem."

(Miguel Esteves Cardoso)

CARTA DE AMOR


 Eu sabia que seria apenas depois de te teres ido embora que iria perceber a completa extensão da minha felicidade e, alas! o grau da minha perda também. Ainda não a consegui ultrapassar, e se não tivesse à minha frente aquela... caixinha pequena com a tua doce fotografia, pensaria que tudo não teria passado de um sonho do qual não quereria acordar. Contudo os meus amigos dizem que é verdade, e eu próprio consigo-me lembrar de detalhes ainda mais charmosos, ainda mais misteriosamente encantadores do que qualquer fantasia sonhadora poderia criar. Tem que ser verdade. Martha é minha, a rapariga doce da qual todos falam com admiração, que apesar de toda a minha resistência cativou o meu coração logo no primeiro encontro, a rapariga que eu receava cortejar e que veio para mim com elevada confiança, que fortaleceu a minha confiança em mim próprio e me deu esperanças e energia para trabalhar, na altura que eu mais precisava.

Quando tu voltares, querida rapariga, já terei vencido a timidez e estranheza que até agora me inibiu perante a tua presença. Iremos sentar-nos de novo sozinhos naquele pequeno quarto agradável, vais-te sentar naquela poltrona castanha , eu estarei a teus pés no banquinho redondo, e falaremos do tempo em que não existirá diferença entre noite e dia, onde não existirão intrusos nem despedidas, nem preocupações que nos separem.

A tua amorosa fotografia. No início, quando eu tinha o original à minha frente não pensei nada sobre a mesma; mas agora, quanto mais olho para ela mais esta se assemelha ao objeto amado; espero que o rosto pálido se transforme na cor das nossas rosas, e que os braços delicados se desprendam da superfície e prendam a minha mão; mas a imagem preciosa não se move, parece apenas dizer: «Paciência! Paciência” Eu sou apenas um símbolo, uma sombra no papel; a tua amada irá voltar, e depois podes negligenciar-me de novo».

Eu gostaria imenso de colocar esta fotografia entre os deuses da minha casa que pairam acima da minha secretária, mas embora eu possa mostrar os rostos severos dos homens que reverencio, quero esconder a face delicada da minha amada só para mim. Vai continuar na tua pequena caixinha e eu não me atrevo a confessar a quantidade de vezes, nestas últimas vinte e quatro horas, que tranquei a minha porta para poder tirar a fotografia da caixa e refrescar a minha memória.

Carta de Sigmund Freud a Martha Bernays, 19 de Junho 1882 (excerto)

A CHAVE DO DESEJO


Todos os desejos são contraditórios como o do alimento. Gostaria que aquele que amo me amasse. Mas se ele me for totalmente dedicado, deixa de existir, e eu deixo de o amar. E enquanto não me for totalmente dedicado, não... me amará o suficiente. Fome e saciedade.
O desejo é mau e ilusório, mas, no entanto, sem o desejo não esquadrinharíamos o verdadeiro absoluto, o verdadeiro ilimitado. É preciso ter passado por isto. Infelizes os seres a quem o cansaço subtrai esta energia suplementar que é a fonte do desejo.
Infeliz, também, aquele a quem o desejo cega.
É preciso arrastar o desejo até ao eixo dos pólos.

Simone Weil, in 'A Gravidade e a Graça'
Arte de: Dorina Costras

domingo, 16 de fevereiro de 2014


 Que nunca te proíbas do prazer, pois é apenas nele que se proíbe o morrer.
 Que nunca a noite seja somente escura, que nunca te esqueças de que o suor também cura.
 E que gemas o ai sem pensar no tempo, e que o orgasmo seja o ai de todo o momento.
 E que ames com o corpo o que é de alma, e que sejas do pecado, do que não podes e amas, do que te faz amar todas as camas.
 Não há medo que apague o sonho, não há não posso que apague o quero - e que sejas o faço e nunca apenas o espero.
 Não há lágrima que apague o fogo, não há dor maior do que fugir do que dói – e que sejas sempre o que é e nunca o que já foi.
 Que nunca te proíbas do prazer, pois é apenas nele que se proíbe o morrer.
 
(Pedro Chagas Freitas)

"No momento em que te fores nós,
vou ser teu e meu, tu e eu-
católico do teu corpo e ateu; no
momento em que te fores nós,
vais ser toda a vida do meu sentir,
toda a água do meu suor, toda a...

febre do meu querer- o gemido
de dentro que me faz ferver. No
momento em que te fores nós,
será a dois que se fará o mundo-
e mesmo com todos estaremos a
sós. "

(Pedro Chagas Freitas)

PORTELA DE SAUDADES


  Eram rajadas de vento tumultuosas
Nuvens inquietas, ameaçadoras
Eram pedras de granizo
porosas...

Era o meu espanto na serra
No meio desta fragilidade
E a minha pequenez!...
No meio da tempestade

E as nuvens avançam, avançam
Por serras e montes além
Furiosas...
em delirante festim
Em sobressaltos perguntei
ao vento
Por que me seguia!
Mas ele ... riu-se de mim

Não sei do quadrante em que
me declino
Nem da rota em que
me encontro
Das nortadas quando
acontecem
Sei das saudades quando
aparecem
E do sabor amargo!...
Quando não se esquecem

Tudo isto se liberta e condensa
Num ser estranho que em tudo pensa

(paxiano)

DIZ O MEU NOME

 
 Diz o meu nome
pronuncia-o
como se as sílabas te queimassem
[os lábios ...

sopra-o com a suavidade
de uma confidência
para que o escuro apeteça
para que se desatem os teus cabelos
para que aconteça

Porque eu cresço para ti
sou eu dentro de ti
que bebe a última gota
e te conduzo a um lugar
sem tempo nem contorno

Porque apenas para os teus olhos
sou gesto e cor
e dentro de ti
me recolho ferido
exausto dos combates
em que a mim próprio me venci

Porque a minha mão infatigável
procura o interior e o avesso
da aparência
porque o tempo em que vivo
morre de ser ontem
e é urgente inventar
outra maneira de navegar
outro rumo outro pulsar
para dar esperança aos portos
que aguardam pensativos

No húmido centro da noite
diz o meu nome
como se eu te fosse estranho
como se fosse intruso
para que eu mesmo me desconheça
e me sobressalte
quando suavemente
pronunciares o meu nome

Mia Couto, in 'Raiz de Orvalho'
Desconheço o autor da imagem- Google

"O desejo exprime-se por uma carícia, tal como o pensamento pela linguagem."

(Jean- Paul Sartre)

Quando te aproximas fecho os olhos ,
e abro um sorriso para melhor te ver...

©JGD in "As Cores do Desejo" (a publicar)

LÁGRIMAS OCULTAS


Se me ponho a cismar em outras eras
Em que ri e cantei, em que era querida,
Parece-me que foi outras esferas,
Parece-me que foi numa outra vida......


E a minha triste boca dolorida
Que dantes tinha o rir das primaveras,
Esbate as linhas graves e severas
E cai num abandono de esquecida!

E fico, pensativa, olhando o vago...
Toma a brandura plácida dum lago
O meu rosto de monja de marfim...

E as lágrimas que choro, branca e calma,
Ninguém as vê brotar dentro da alma!
Ninguém as vê cair dentro de mim!

(Florbela Espanca)
Arte de: Imre Toth
.

ESTRANHA PRESENÇA

 
  Corres dentro de mim como um rio
Sem pressas nem vagares
Sejas tu água fluente
Flor de sal...

Com cheiro a maresia
Lembrança presente
Na luz do dia
Duma força ausente

Corres livre de forma fluente
sem atrito
Deslizas dentro de mim
como sempre
Mas só o aperto das margens
Trouxe ao de cima
Como um grito
O desejo de ser diferente

Corres dentro de mim como linfa
Misto de desejo e querer
Escondes-te no amanhecer
Com a força de outra ânsia
De outro viver
Que corre para o infinito
Numa manhã de outra infância

Mas és presença… sempre ausente

(paxiano)

NO TEU ROSTO


No teu rosto
competem mil madrugadas

Nos teus lábios...

a raiz do sangue
procura suas pétalas

A tua beleza
é essa luta de sombras
é o sobressalto da luz
num tremor de água
é a boca da paixão
mordendo o meu sossego

Mia Couto, in Raiz de Orvalho
Imagem Google- Desconheço o autor

"Sê palavra
Sê silêncio
Sê abraço
... acalento

Se te falo...


Não me entendo
Mas sê "te amo"
...Vem com o tempo"

DORA GURFINKEL ( a publicar)

ALADA


carregava sonhos
desses alados
que voava nas asas
que ria por tudo...

que dançava sem música
e que cantava sem voz.

Lembrava-se das palavras dela
e do pedido terno para ir de scarpin vermelho
e quando os tirou percebeu que de seu rastro
voavam borboletas
as mesmas que faziam festa no seu coração.

(Mariana Gouveia)

sábado, 15 de fevereiro de 2014

LEMBRANÇA


 Ponho um ramo de flores
na lembrança perfeita dos teus braços;
cheiro depois as flores
e converso contigo...

sobre a nuvem que pesa no teu rosto;
dizes sinceramente
que é um desgosto.

Depois,
não sei porquê nem porque não,
essa recordação
desfaz-se em fumo;
muito ao de leve foge a tua mão,
e a melodia já mudou de rumo.

Coisa esquisita é esta da lembrança!
Na maior noite,
na maior solidão,
sem a tua presença verdadeira,
e eu vejo no teu rosto o teu desgosto,
e um ramo de flores, que não existe, cheira!

Miguel Torga, in Diário I (1941, Coimbra, 7ª ed., 1989)

FALSO POEMA ASSÍRIO COM MENOS DE 3000 ANOS


 Dou-te a chave do meu quarto
por tuas mãos no meu corpo.
...

Dou-te a arca dos meus medos
em troca do teu sorriso.

Dou-te a minha rosa turca
pelo teu olhar calado.

Dou-te o meu cordeiro branco
pelos teus cabelos negros.

Dou-te o meu linho macio
se me deres teus abraços.

Dou-te o mel dos meus cortiços
para ter a tua boca.

Dou-te a lã dos meus rebanhos
pela nudez do teu peito.

Dou-te a cria mais bonita
por tuas nádegas quentes.

Dou-te o melhor dos meus vinhos
só para ter tuas ancas.

Dou-te o meu galo de briga
em troca das tuas coxas.

Dou-te a vida dos meus cães
mas exijo o teu silêncio.

[Joaquim Pessoa]
in MAS., Litexa, 1987
Arte de: Arthur Braginsky 

FUMO DO SEGREDO


  No lago manso onde te banhas
Navegam segredos teus
À tona das águas mansas...

Tão libertas nas suas danças
Nos barcos frágeis de papel
Onde brilham olhos cor de mel

Levam e trazem barcos de proa
Tão frágeis como uma pena
A mensagem que os acompanha
Não tem código nem sanha
Mas ilumina uma alma pequena

Vão e veem no pensamento
Trazem e levam inquietações
Levam o meu olhar perdido
Que sossega no teu colorido

Quantos sons fazem uma voz
Quantas vozes fazem o medo
Que protegem o teu segredo

(paxiano)

ENCOSTO O OUVIDO ÀS ALGAS


Encosto o ouvido às algas
e escuto os teus passos
na areia de contornos
verdes dos rumores das ondas....

Acelero a minha vida em espera,
abrando de dor o meu desejo.
Para ti me envolvo, me perco,
para mim caminhas seguro,
quente, esperado.
Podem evadir-se as gaivotas.
Não vai estender-se aqui a manhã.

Lília Tavares, in Parto com os Ventos (Kreamus, 2013)
Arte de: Elis Souza.


Mesmo que pudesse
dizer tudo
não podia dizer tudo
e é bom assim

Adília Lopes, in "Dobra poesia reunida".
Imagem Google

A NOITE É UMA ESPECIARIA QUE ACENDE OS CORPOS


(...)
Preciso de ti para um poema. Ofereço-te em troca o meu auto-retrato sincero. Tenho quarenta livros prontos para serem lidos. Tenho uma estratégia infalível para implementar a primavera. ...
Tenho a segurança de um corpo cheio de insónias, pele de galinha, súbitos arrepios, termómetros para novecentas febres, saliva muito devagar, pés descalços, arrebatamentos
incomunicáveis, fins de noite numa garrafa de vinho, estilhaços de quatrocentos orgasmos, comoções, paixões flagrantes, primeiros cuidados para jovens suicidas, lâmpadas que se queimaram nas minhas próprias mãos.

(...)
Não é para decifrar! Não é para decifrar! É para se desfazer na boca, como açúcar, como vinho, como a erva lenta da infância.

Vasco Gato, in "A prisão e paixão de Egon Schiele".

ADEUS


 Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes. ...

Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mãos à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquinas
em esperas inúteis.

Meto as mãos nas algibeiras e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro;
era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.

Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes.
E eu acreditava.
Acreditava,
porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.

Mas isso era no tempo dos segredos,
era no tempo em que o teu corpo era um aquário,
era no tempo em que os meus olhos
eram realmente peixes verdes.
Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco, mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.

Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor,
já se não passa absolutamente nada.
E no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza
que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.

Não temos já nada para dar.
Dentro de ti
não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.

Adeus.

Eugénio de Andrade, in “Poesia e Prosa”
Imagem de: Jach Vetttriano
 

 
 

Faça com que eu tenha a coragem de me enfrentar.
Faça com que eu saiba ficar com o nada e mesmo assim me sentir como se estivesse plena de tudo.
Receba em teus braços o meu pecado de pensar.”

(Clarice Lispector)