sábado, 30 de novembro de 2013

O MAR É LONGE, MAS SOMOS NÓS O VENTO


O mar é longe, mas somos nós o vento;
e a lembrança que tira, até ser ele,
é doutro e mesmo, é ar da tua boca
onde o silêncio pasce e a noite aceita. ...

Donde estás, que névoa me perturba
mais que não ver os olhos da manhã
com que tu mesma a vês e te convém?
Cabelos, dedos, sal e a longa pele,
onde se escondem a tua vida os dá;
e é com mãos solenes, fugitivas,
que te recolho viva e me concedo
a hora em que as ondas se confundem
e nada é necessário ao pé do mar.

Pedro Tamen- in "Daniel na Cova dos Leões"

NOS TEUS GESTOS


Nos teus gestos há animais em liberdade
e o brilho doce que só têm as cerejas.
É neles que adormeço, e dos teus dedos
retiro a luz azul dos arquipélagos. ...


Os teus gestos são letras, sílabas, poemas.
Os teus gestos são páginas inteiras. São
a tua boca a namorar na minha boca,
o cio dos séculos a saudar o tempo.

São os teus gestos que me acordam. Gestos
que vestem o silêncio fundo das ravinas
e assinalam a água dos desertos.

Os teus gestos são música. São lume.
São a respiração do teu olhar. A seara
de espigas que ondula no meu corpo.

Joaquim Pessoa- in 'Guardar o Fogo'

O AMOR É INEVITÁVEL


(O Amor) É inevitável, faz parte da combustão da natureza, é força, mar, elemento, água, fogo, destruição, é atmosfera, respira-se, quando se morre abandona-se, o amor deixa, fica isolado, é um elemento, come-se, bebe-...se, sustenta pão, pão diário para rico e pobre, pão que ilumina o forno do amassador, aparece nas condições mais estranhas, bicho que nasce, copula dentro de si mesmo, paira, espermatozóide e óvulo, as duas coisas ao mesmo tempo, amor é assim outro elemento fundamental da natureza, as pessoas vivem tanto com o amor, ou tão alheias do amor, que nem notam, raro percebem que o amor existe, raro percebem que respiram, que a água está, é indispensável, ninguém pode viver alheio aos elementos, ao amor.

Ruben A., in 'Silêncio para 4'
Arte de: Alena Plihal


 
É quando a chuva cai, é quando
olhado devagar que brilha o corpo.
Para dizê-lo a boca é muito pouco,
era preciso que também as mãos
vissem esse brilho, dele fizessem
não só a música, mas a casa....

Todas as palavras falam desse lume,
sabem à pele dessa luz molhada."

 Eugénio de Andrade


A PALAVRA MÁGICA


Certa palavra dorme na sombra
de um livro raro.
Como desencantá-la?
É a senha da vida ...

a senha do mundo.
Vou procurá-la.

Vou procurá-la a vida inteira
no mundo todo.
Se tarda o encontro, se não a encontro,
não desanimo,
procuro sempre.

Procuro sempre, e minha procura
ficará sendo
minha palavra.

Carlos Drummond de Andrade - in 'Discurso da Primavera'

HÁ PALAVRAS QUE NOS BEIJAM


 Há palavras que nos beijam
Como se tivessem boca.
Palavras de amor, de esperança,
De imenso amor, de esperança louca. ...


Palavras nuas que beijas
Quando a noite perde o rosto;
Palavras que se recusam
Aos muros do teu desgosto.

De repente coloridas
Entre palavras sem cor,
Esperadas inesperadas
Como a poesia ou o amor.

(O nome de quem se ama
Letra a letra revelado
No mármore distraído
No papel abandonado)

Palavras que nos transportam
Aonde a noite é mais forte,
Ao silêncio dos amantes
Abraçados contra a morte.

  Alexandre O'Neill - in 'No Reino da Dinamarca'


Eu não tenho necessidade de ti.
E tu não tens necessidade de mim.
Mas, se tu me cativas, nós teremos necessidade um do outro.
Serás para mim único no mundo.
E serei para ti única no mundo."

Antonie de Saint-Exupér


QUÍMICA


Sublimemos, amor. Assim as flores
No jardim não morreram se o perfume
No cristal da essência se defende.
Passemos nós as provas, os ardores: ...

Não caldeiam instintos sem o lume
Nem o secreto aroma que rescende.

José Saramago - in "Os Poemas Possíveis"

A MULHER DOS VINTE POEMAS


Perguntam-me sempre quem é a mulher dos «Vinte Poemas». É difícil responder. As duas ou três que se entrelaçam nesta melancólica e ardente poesia correspondem, digamos, a Marisol e Marisombra. Marisol é o idílio da província encantada, com imensas estrelas nocturnas e olhos escuros como o céu molhado de Temuco. É ela que figura, com a sua alegria e a sua vivaz beleza, e...m quase todas as páginas, rodeada pelas águas do porto e pela meia-lua sobre as montanhas. Marisombra é a estudante da capital. Boina parda, olhos dulcíssimos, o constante aroma a madressilva do errante amor estudantil, o sossego físico dos apaixonados encontros nos esconderijos da urbe.

Pablo Neruda- in "Confesso que Vivi"
 

PUDESSE EU


Pudesse eu não ter laços
nem limites
Ó vida de mil faces
transbordantes...

Para poder responder
aos teus convites
Suspensos na surpresa
dos instantes!

Sophia de Mello Breyner Andreson
Arte de: Dorina Costras

PARA TUA FOME


Eu teria colocado meu coração
Entre os ciprestes e o cedro

E tu o encontrarias ...

Na tua ronda de luta e incoesão:
A ronda que te persegues.

Para a tua sede
As nascentes da infância:
Um molhado de fadas e sorvetes.

E abriria em mim mesma
Uma nova ferida

Para tua vida.

Hilda Hilst
Arte de: Bellarmine Miranda

EU SIMPLESMENTE AMO-TE


Eu amo-te sem saber como, ou quando, ou a partir de onde. Eu simplesmente amo-te, sem problemas ou orgulho: eu amo-te desta maneira porque não conheço qualquer outra forma de amar sem ser esta, onde não existe eu ou tu, tão intimamente que a tua mão sobre o meu peito é a minha mão, tão intimamente que quando adormeço os teus olhos fecham-se.

Pablo Neruda- in "Cem Sonetos de Amor"
Arte de: Sergio Martinez Cifuentes



O privilégio da vida
é este silêncio musical que do teu olhar
cai nos meus olhos
e regressa a ti
acrescentado pela luz da manhã
varrendo o mar."

Eugénio de Andrade

ROMANTISMO


Quem tivesse um amor, nesta noite de lua,
para pensar um belo pensamento
e pousá-lo no vento!
...

Quem tivesse um amor - longe, certo e impossível -
para se ver chorando, e gostar de chorar,
e adormecer de lágrimas e luar!

Quem tivesse um amor, e, entre o mar e as estrelas,
partisse por nuvens, dormente e acordado,
levitando apenas, pelo amor levado...

Quem tivesse um amor, sem dúvida e sem mácula,
sem antes nem depois: verdade e alegoria...
Ah! quem tivesse... (Mas, quem teve? quem teria?)

Cecília Meireles- in 'Mar Absoluto e Outros Poemas'

DEVAGAR TE AMO


Devagar te amo, e devagar assomo
os dedos à altura dos olhos, do cabelo
dos anéis de outro turno, que é só meu
por querê-lo, meu amor, como a ti mesma quero ...

nos tempos de passado e sem futuro.
Devagar avanço um dealbar de dias
que vida seriam - mesmo que morto, à noite,
eu voltasse amargurado mas presente,
calado e quedo, e devagar amando.

  Pedro Tamen- in “Rua de Nenhures”


Se há algo em que o prazer é bom é a cobrir vazios.
O prazer cobre. O prazer esconde. E depois pensas que amas quem te dá prazer quando na verdade só amas o prazer.
Amas o prazer.
Ficas viciado naquele prazer. E transportas o que amas ...
no prazer para o que não amas na pessoa.
Todo o prazer é amável.
Deixa entrar. Deixa-te entrar. E sentas-te. E ficas confortável. Vais ficando confortável dentro dele. Aos poucos constrói um amor sobre o prazer.
Um castelo de amor sobre um castelo de prazer.
Se está sobre o prazer: está sob o amor.
É um sub-amor. Amo um sub-amor. Amei sempre um sub-amor. Um amor que não era a uma pessoa. Um amor ao que uma pessoa me podia dar. Ao prazer que uma pessoa me podia dar. Pensei que só o amor poderia dar tanto prazer.
O amor não se mede em prazer.
Porque há amores que nem precisam de prazer.”

Pedro Chagas Freitas.

HOUVE UMA ILHA EM TI


Houve uma ilha em ti que eu conquistei.
Uma ilha num mar de solidão.
Tinha um nome a ilha onde morei. ...

Chamava-se essa ilha Coração.

Que saudades do tempo que passei.
Nenhum desses momentos foi em vão.
Do teu corpo, de ti, já nada sei.
Também não sei da ilha, não sei, não.

Só sei de mim, coberto de raízes.
Enterrei os momentos mais felizes.
Vivo agora na sombra a recordar.

A ilha que eu amei já não existe.
Agora amo o céu quando estou triste
por não saber do coração do mar.

Joaquim Pessoa- in 'Ano Comum'

O AMOR EM DOIS OLHARES


  Esta vista de mar, solitariamente,
dói-me. Apenas dois mares,
dois sóis, duas luas ...

me dariam riso e bálsamo.
A arte da Natureza pede
o amor em dois olhares.

Fiama Hasse Pais Brandão- in "As Fábulas

GOSTO DAS BELAS COISAS CLARAS E SIMPLES


  Para quê alcançar os astros?! Para quê?! Para os desfolhar, por exemplo, como grandes flores de luz! Vê-los, vê-os toda a gente. De que serve então ser poeta se se é igual à outra gente toda, ao rebanho?... Eu não peço à Vida nada que ela me não tivesse prometido, e detesto-a e desdenho-a porque não soube cumprir nem uma das suas promessas em que, ingenuam...ente, acreditei, porque me mentiu, porque me traiu sempre. Mas não choro, não, como os portugueses chorões, não tenho nada de Jere­mias, pareço-me antes com Job, revoltado, gritando impreca­ções no seu monte de estrume. Não gosto de lágrimas, de fados nem de guitarras, gosto das belas coisas claras e sim­ples, das grandes ternuras perfeitas, das doces compreensões silenciosas, gosto de tudo, enfim, onde encontro um pouco de Beleza e de Verdade, de tudo menos do bípede humano, em geral, é claro, porque há ainda no mundo, graças a Deus, almas-astros onde eu gosto de me reflectir, almas de sinceri­dade e de pureza sobre as quais adoro debruçar a minha.

Florbela Espanca - in "Correspondência (1930)"

REAGIR À SAUDADE E À TRISTEZA


  A maneira de reagir à saudade e à tristeza é ter um coração bom e uma cabeça viva. A saudade e a tristeza não são doenças, ou lapsos, ou intervalos, como se diz nos países do Norte. São verdades, condições, coisas do dia a dia, parecidas com apertar os atacadores dos sapatos. É banalizando-as que as acompanhamos. Um sofrimento não anula outro. Mas acompanha-o. Para ...isto é preciso inteligência e bondade.
Aquilo que resta são as pequenas alegrias. No contexto de tamanha tristeza e tanta verdade tornam-se grandes, por serem as únicas que há. Não falo nas alegrias que passam, como passam quase todas as paixões.
Falo das alegrias que se tornam rotinas, com que se conta: comprar revistas, jantar ao balcão, dormir junto do mar, dizer disparates, beber de mais, rir. Coisas assim. São essas coisas — entre as quais o amor — que não se podem deitar fora sem, pelo menos, morrer primeiro.

(Miguel Esteves Cardoso) in 'As Minhas Aventuras na República Portuguesa'

TENHO FOME DA TUA BOCA


Tenho fome da tua boca, da tua voz, do teu cabelo,
e ando pelas ruas sem comer, calado,
não me sustenta o pão, a aurora me desconcerta, ...

busco no dia o som líquido dos teus pés.

Estou faminto do teu riso saltitante,
das tuas mãos cor de furioso celeiro,
tenho fome da pálida pedra das tuas unhas,
quero comer a tua pele como uma intacta amêndoa.

Quero comer o raio queimado na tua formosura,
o nariz soberano do rosto altivo,
quero comer a sombra fugaz das tuas pestanas

e faminto venho e vou farejando o crepúsculo
à tua procura, procurando o teu coração ardente
como um puma na solidão de Quitratue.

(Pablo Neruda) in "Cem Sonetos de Amor"
 

CANÇÃO DE AMOR


  Eu cantaria mesmo que tu não existisses,
faria amor, assim, com as palavras.
Eu cantaria mesmo que tu não existisses ...

porque haveria de doer-me a tua ausência.

Por isso canto. Alegre ou triste, canto.
Como se, cantando, tocasse a tua boca,
ainda antes da tua presença.
Direi mesmo, depois da tua morte.

Eu cantaria mesmo que tu não existisses,
ó minha amiga, doce companheira.
Eu festejo o teu corpo como um rio,
onde, exausto, chegarei ao mar.

Sim, eu cantaria mesmo que tu não existisses,
porque nada eu direi sem o teu nome.
Porque nada existe além da tua vida,
da tua pele macia, dos teus olhos magoados.

Assim quero cantar-te, meu amor,
para além da morte, para além de tudo.

Joaquim Pessoa- in 'Canções de Ex-Cravo e Malviver'
 

QUERO-TE DE BRANCO, MEU AMOR


  Quero-te de branco,
ou antes, modelada
nas roupas que cosesses ...

das bonecas, nos saltos,
nos baloiços, nos degraus
de uma porta qualquer donde saísses.
Quero-te de branco e intocada,
carregada porém dos anos buliçosos
e das vidas ausentes.
De branco, meu amor,
e de tão branco
que me desses o mundo em luz de sol.

Pedro Tamen- in “Rua de Nenhures”

TROCO-ME POR TI


Troco-me por ti
Na brasa da fogueira mal ardida
renovo o fogo que perdi, ...

acendo, ascendo, ao lume, ao leme, à vida.

E só trocado, parece, por não ser
na verdade conjugo o velho verbo
e sou, remido esquartejado,
o retrato perfeito em que exacerbo
os passos recolhidos pelo tempo andado.

Pedro Tamen- in “Rua de Nenhures”

sábado, 23 de novembro de 2013

NÃO SEI SE AS TUAS MÃOS ME TOCARAM


 Tão leves as tuas mãos que nenhuma marca ficou
Tão leves que certamente só me sonharam
Ou as sonhei porque as queria na minha pele
Árida de carícias...

Ávida das tuas mãos.
Não sei se foste tu que escreveste com saliva poemas no meu corpo
Poemas rios que me molharam e segredaram
Palavras por ti nunca antes ditas
Não sei se senti rios e pensei poemas
Deserta que estava de palavras e saliva.
Não sei se no meu corpo o teu mora
Tão ténue teu corpo
Tão breve sonhar.

(Encandescente)


Eu corri! Quase voei
Quando você sequer era
capaz de caminhar. Foi
nessa pressa que aminha
mão saltou da tua e te ...

perdi na multidão

  (Cyssa Amaral)

ESTOU MAIS PERTO DE TI PORQUE TE AMO


  Estou mais perto de ti porque te amo.
Os meus beijos nascem já na tua boca.
Não poderei escrever teu nome com palavras.
Tu estás em toda a parte e enlouqueces-me. ...


Canto os teus olhos mas não sei do teu rosto.
Quero a tua boca aberta em minha boca.
E amo-te como se nunca te tivesse amado
porque tu estás em mim mas ausente de mim.

Nesta noite sei apenas dos teus gestos
e procuro o teu corpo para além dos meus dedos.
Trago as mãos distantes do teu peito.

Sim, tu estás em toda a parte. Em toda a parte.
Tão por dentro de mim. Tão ausente de mim.
E eu estou perto de ti porque te amo.

  (Joaquim Pessoa) in 'Os Olhos de Isa'

Que é amar senão inventar-se a gente noutros gostos e vontades? Perder o sentimento de existir e ser com delícia a condição de outro, com seus erros que nos convencem mais do que a perfeição?"

  (Agustina Bessa-Luís)

DIA 51


 Invento hoje para ti este falso poema de amor egípcio:

A tua casa é o meu coração e o teu perfume enche de nostalgia as minhas noites. Pelos meus braços vens caminhando nua, com a doçura da gazela e a brevidade suicida das flores...
do hibisco.

O meu coração dá abrigo a um grande amor, como a palmeira protege as tâmaras dos ventos do deserto ou a romã se transforma em cofre para guardar os seus rubis.

Não há armadilhas montadas no percurso que te leva à minha cama, e nada será perturbado pelo júbilo de beijar todas as sílabas que a tua boca pronuncia.

És em mim. Estás em mim.

Há-de o meu coração ficar em ruínas e, assim mesmo, defenderá o teu corpo, a tua vontade, e o teu sorriso que tem a envergonhada cor da flor do lótus.

Há-de o meu coração calar-se, mas esse silêncio não impedirá a promessa de uma eterna noite de amor

(Joaquim Pessoa)


PARA QUE SEJAS LUZ

Eleva-te para que sejas luz e sol
Num corpo adormecido
Eleva a tua voz …
onde jamais serás esquecido...

Lá longe o som…
ecoa distante
Perto, tudo se dilata ofegante

Para que as palavras sejam
voz
Para que os gestos sejam sinais
Para que as flores reverdeçam
e não esqueçam
Que um sereno olhar
pode ser a porta
o cais

Mas hoje trouxe-te uma rosa
Para que irradies claridade
O cardo é tão triste e fechado
Tão sisudo e calado
Que nem de dia nem de noite
é lembrado

Mesmo na manhã mais cinzenta
A flor pode ser bem-parecida
E num jardim quase esquecida
Há sempre uma luz que rebenta

(paxiano)


Dia 52

 Tenho sede quando te beijo. Quando não te beijo tenho sede.

(Joaquim Pessoa)


Dia 53

Não sou tão duro como a ágata nem tão convencido como a safira.

Não sou tão exaltado como o topázio nem tão religioso como a ametista.
...

Não prometo tanto como a olivina nem sou tão imaginativo como a
esmeralda.

Não me sinto tão indeciso como a turquesa nem tão afirmativo como o rubi.

E não tenho, nem a dor existencial da turmalina, nem a estouvada alegria do zircão.

Não possuo os mesmos encantos da água-marinha nem a personalidade única que tem o ónix.

Não sou tão místico como o quartzo nem tão heróico quanto a granada.

E jamais terei a paciência do lápis-Iazúli ou o brilho sábio do diamante. Definitivamente, não poderia nunca ser uma pedra.
(Joaquim Pessoa)

Deixa-me pensar que o azul
dos céus
Denuncia a cor dos naufrágios
A que ambos assistimos

Ao vai e vem das gaivotas...

Aos barcos que partem
com os ventos que ficam...
Na intemporal memória dos tempos

Depois balbuciamos palavras
sem sentido
Lembrando cheiros cortantes
no vaivém do destino
Dos que vão... pela ordem do sextante

Talvez os barcos regressem um dia
Garbosos...
Pelas mesmas águas a navegar

Talvez depois... alguns de nós
surpreendidos
Nos interroguemos com o nosso olhar

(paxiano)

segunda-feira, 4 de novembro de 2013

A PELE É O ESPELHO DA ALMA


Os dedos com que me tocou
persistem sob a pele,
onde a memória os move.
...
Tacteiam, impolutos.
Tantas vezes o suor os traz consigo da memória,
que não tenho na pele poro através do qual
eles não procurem sair quando transpiro.
A pele é o espelho da memória.

 (Luís Miguel Nava)

NOS TEUS OLHOS ALGUÉM ANDA NO MAR


Nos teus olhos alguém anda no mar
alguém se afoga e grita por socorro
e és tu que vais ao fundo devagar
enquanto sobre ti eu quase morro....


E de repente voltas do abismo
e nos teus olhos há um choro riso
teu corpo agora é lava e fogo e sismo
de certo modo já não sou preciso.

Na tua pele toda a terra treme
alguém fala com Deus alguém flutua
há um corpo a navegar e um anjo ao leme.

Das tuas coxas pode ver-se a Lua
contigo o mar ondula e o vento geme
e há um espírito a nascer de seres tão nua.

 (Manuel Alegre) in SETE SONETOS E UM QUARTO

A INDECISÃO DO POEMA


encontro-te
resplandecente sob a luz do amanhecer
e beijo a tua imagem numa carícia
bafejada nas enseadas do desejo
faço de ti o caminho
o momento
o sabor das minhas horas..
(João Carlos Esteves) in INVENTEI-TE AS MANHÃS
Arte de: Alena Plihal
 

MAÕS


Côncovas de ter
Longas de desejo
Frescas de abandono
Consumidas de espanto...

Inquietas de tocar e não prender."

(Sophia de Mello Breyner Andresen)

No ponto onde o silêncio e a solidão
Se cruzam com a noite e com o frio,
Esperei como quem espera em vão,
Tão nítido e preciso era o vazio. "

(Sophia de Mello Breyner Andresen)

CHAMA


O frio do teu corpo esperando uma chama

O sentir de um desejo reservado a quem ama...

(José Gabriel Duarte)

SOMBRA


Sou uma sombra negra
Luar solidão e discreta
Céu na terra, deserto em lágrimas
Sou uma sombra proibida...

Tímida
Que se esconde
Enfraquecida
Acorda
E sai de mim
Colorida
Pecado carmim, rosa de cetim
Perfume desconhecido, estrela amanhecer
Sou uma sombra mulher, guerreira, criança
Que chora e passa na mudança
Sou tudo, paixão, nada, sofrer, viver
Sou uma sombra tua
Passo e morro esquecida
Na rua

 (Paula OZ)
Do livro: Lua Nua II



É no desejo da minha solidão, que oiço a saudade que grita por ti...

 (Paula OZ)
Do livro: Lua Nua II

Arte de: Alena Plihal

LÁGRIMAS


Doces, foram as lágrimas
...quando o meu corpo se esqueceu no teu
És chuva fina que os meus olhos insistem em ouvir... para te sentir
Doces são as lágrimas......


(Paula OZ)
Poema do Livro: Lua Nua II


 
Todos os aeroportos se dissolvem em saudade.
Há um cheiro a fim e a começo em cada aeroporto, e o que parte nuns é colado noutros. E os estilhaços de um serão os estilhaços do outro, como se fossem os dois lados de uma barricada eterna, de...
uma barricada por terminar, de uma barricada sempre por terminar.
Nenhuma partida será a última.
Nenhuma chegada será a última.
Por todo o mundo há gente que chega e que parte, que abraça o abraço e desprega o abraço, que espera o abraço e desespera o abraço.
Por todo o mundo há gente sozinha.
Por todo o mundo há abraços sozinhos.

Se até sozinho te abraça: então é amor.”

(Pedro Chagas Freitas)



És tu, sempre tu, escuridão e claridade
Aquele que nada diz e vive em mim
Estando perto, ao de longe, distante és saudade

Ah amor, inspiração pura, infinita dos meus versos
Sonho-te no céu, num abraço és meu...

O sorriso renasce na fonte dos teus lábios

O poema é vida, estrelas de sentimentos
Por amar-te a vida inteira
São lágrimas, suspiros, palavras e tormentos

Doce pecado do meu querer
Escrevo-te para te ver
A alma do meu corpo, é som para te reconhecer

Amor louco amor, a tua boca, o beijo grita-me ainda, és minha
Porque anoiteço sozinha?


( Paula Oz)
Arte de: Zinaide Serebriakova 1884 - 1967
 

SILÊNCIO


Amei-te
Abrindo-me mais que o linho entre as pernas
Mais que a alma rasgada
Entre todos os poemas…...


Sentia-te carne de mim
Essência de jasmim
Na erecção da tua ânsia
Brindando êxtase de chocolate
Na íris de Afrodite
Percorrendo enseadas de nós.

Amei-te tanto
Que julguei esquecer-me!

Reinvento-me
Na força com que me despes
Silêncio
Devora de vez esse teu desejo!
Abro para ti minhas pernas!

[Célia Moura] in NO HÁLITO DE AFRODITE (a publicar)

Arte de - Oscar Duran Pedrosa

O ÚLTIMO AMOR


 Era o último amor. A casa fria,
os pés molhados no escuro chão.
Era o último amor e não sabia
esconder o rosto em tanta solidão....


Era o último amor. Quem adivinha
o sabor breve pela escuridão?
Quem oferece frutos nessa neve?
Quem rasga com ternura o que foi verão?

Era o último amor, o mais perfeito
fulgor do que viveu sem as palavras.
Era o último amor, perfil desfeito
entre lumes e vozes e passadas.

Era o último amor e não sabia
que os pés à terra nua oferecia.

(Luís Filipe Castro Mendes)
in OS AMANTES OBSCUROS, incluído em POESIA REUNIDA, (Quetzal, 1999

Pintura de: Alena Plihal

PRIMEIRA PALAVRA


Aproxima o teu coração

e inclina o teu sangue...


para que eu recolha

os teus inacessíveis frutos

para que prove da tua água

e repouse na tua fronte

Debruça o teu rosto

sobre a terra sem vestígio

prepara o teu ventre

para a anunciada visita

até que nos lábios humedeça

a primeira palavra do teu corpo


 (Mia Couto) in RAIZ DE ORVALHO E OUTROS POEMAS (Caminho, 2009)
Arte de: Alena Plihal

DEITA-TE AQUI - ESTA NOITE, DENTRO DE MIM


Deita-te aqui – esta noite, dentro de mim,
está tanto frio. Se fores capaz, cobre-me de
beijos: talvez assim eu possa esquecer para...

sempre quem me matou de amor, ou morrer
de uma vez sem me lembrar. Isso, abraça-me

também: onde os teus dedos tocarem há uma
ferida que o tempo não consegue transportar.
Mas fecho os olhos, se tu não te importares, e
finjo que essa dor é uma mentira. Claro, o que

quiseres está bem – tudo, ou qualquer coisa,
ou mesmo nada serve, desde que o frio fique
no laço das tuas mãos e não regresse ao corpo
que te deixo agora sepultar. Não sentes frio, tu,

dentro de mim? Nunca nevou de madrugada no
teu quarto? Que país é o teu? Que idade tens?
Não, prefiro não saber como te chamas.

(Maria do Rosário Pedreira)

E ASSIM TE QUERO


  Quero-te... sim acredita!

De corpo e alma
...

Ler-te
Do princípio
Ao fim
Todas as páginas
De cima para baixo
Assim e assim
Quero...
Delicias
Sensualmente
Carícias
Docemente
Quero-te...
Aos poucos
Gole por gole
Sem pressas
Porque o amanhã
São asas abertas

Eu quero, nunca estar satisfeita

Ter fome de ti, desejar-te
E sempre, sempre sentir-te

Lembrar-me de ti
Tocar-te
Inventar-me
Reinventar-te

Sim, quero-te, eternamente

(Paula OZ)
Arte de: Theodore Jean Louis Gericault
 
Decifra em mim, a luz dos meus olhos, abre as janelas...
Escuta o poema dos meus dedos, choram sem segredo
No mapa da minha mão, guardo sonhos, memórias e tantas histórias

De ti,
Só desejo o eco da tua voz, soluço doce, eterno, a bris...
a dos teus lábios
O amor que nunca ouvi...quando nos sentíamos sós
(aquele sopro no meu ouvido, suave que nem beijos)

Eis o corpo do silêncio

(Paula Oz)