segunda-feira, 21 de outubro de 2013

SÍTIO EXATO


Sei que não acaba
o teu prazer,
nem o meu.

Alguém
ama connosco
e nos leva
ao sítio exacto
das estações.

Nem o sono
depois nos pertence,
quinhão de outros
herdado após amarem.

António Osório, in 'O Lugar do Amor'

AMOR


o teu rosto à minha espera, o teu rosto
a sorrir para os meus olhos, existe um
trovão de céu sobre a montanha. ...


as tuas mãos são finas e claras, vês-me
sorrir, brisas incendeiam o mundo,
respiro a luz sobre as folhas da olaia.

entro nos corredores de outubro para
encontrar um abraço nos teus olhos,
este dia será sempre hoje na memória.

hoje compreendo os rios. a idade das
rochas diz-me palavras profundas,
hoje tenho o teu rosto dentro de mim.

(José Luís Peixoto) in "A Casa, A Escuridão"


PRINCÍPIO DO PRAZER


à sua volta os pombos cor de lava
nos arabescos pretos do basalto
e gente, muita gente que passava
e se detinha a olhá-la em sobressalto

no seu olhar havia uma promessa
nos seus quadris dançava um desafio
num relance de barco mas sem pressa
que fosse ao sol-poente pelo rio

trazia nos cabelos um perfume
a derramar-se em praias de alabastro
e um brilho mais sombrio quase lume
de fogo-fátuo a coroar um mastro

seu porte altivo punha à vista o puro
princípio do prazer que caminhava
carnal e nobre e lúcido e seguro
com qualquer coisa de uma orquídea brava

e nas ruas da baixa pombalina
sua blusa encarnada era a bandeira
e o grito da revolta na retina
de quem fosse atrás dela a vida inteira.

Vasco Graça Moura, in "Antologia dos Sessenta Anos"


JÁ NÃO VIVI, SÓ PENSO


Já não vivo, só penso. E o pensamento
é uma teia confusa, complicada,
uma renda subtil feita de nada: ...

de nuvens, de crepúsculos, de vento.

Tudo é silêncio. O arco-íris é cinzento,
e eu cada vez mais vaga, mais alheada.
Percorro o céu e a terra aqui sentada,
sem uma voz, um olhar, um movimento.

Terei morrido já sem o saber?
Seria bom mas não, não pode ser,
ainda me sinto presa por mil laços,

ainda sinto na pele o sol e a lua,
ouço a chuva cair na minha rua,
e a vida ainda me aperta nos seus braços.

(Fernanda de Castro) in "E Eu, Saudosa, Saudosa


ESCUTA, AMOR


Quando damos as mãos, somos um barco feito de oceano, a agitar-se sobre as ondas, mas ancorado ao oceano pelo próprio oceano. Pode estar toda a espécie de tempo, o céu pode estar limpo, verão e vozes de crianças, o céu pode segurar nuvens e chumbo, nevoeiro ou madrugada, pode ser de noite, mas, sempre que damos as mãos, transformamo-nos na mesma matéria do mundo. Se preferires uma imagem da terra, somos árvores velhas, os ramos a crescerem muito lentamente, a madeira viva, a seiva. Para as árvores, a terra faz todo o sentido. De certeza que as árvores acreditam que são feitas de terra.

Por isto e por mais do que isto, tu estás aí e eu, aqui, também estou aí. Existimos no mesmo sítio sem esforço. Aquilo que somos mistura-se. Os nossos corpos só podem ser vistos pelos nossos olhos. Os outros olham para os nossos corpos com a mesma falta de verdade com que os espelhos nos reflectem. Tu és aquilo que sei sobre a ternura. Tu és tudo aquilo que sei. Mesmo quando não estavas lá, mesmo quando eu não estava lá, aprendíamos o suficiente para o instante em que nos encontrámos.

Aquilo que existe dentro de mim e dentro de ti, existe também à nossa volta quando estamos juntos. E agora estamos sempre juntos. O meu rosto e o teu rosto, fotografados imperfeitamente, são moldados pelas noites metafóricas e pelas manhãs metafóricas. Talvez outras pessoas chamem entendimento a essa certeza, mas eu e tu não sabemos se existem outras pessoas no mundo. Eu e tu declarámos o fim de todas as fronteiras e inseparámo-nos. Agora, somos uma única rocha, uma única montanha, somos uma gota que cai eternamente do céu, somos um fruto, somos uma casa, um mundo completo. Existem guerras dentro do nosso corpo, existem séculos e dinastias, existe toda uma história que pode ser contada sob múltiplas perspectivas, analisada e narrada em volumes de bibliotecas infinitas. Existem expedições arqueológicas dentro do nosso corpo, procuram e encontram restos de civilizações antigas, pirâmides de faraós, cidades inteiras cobertas pela lava de vulcões extintos. Existem aviões que levantam voo e aterram nos aeroportos interiores do nosso corpo, populações que emigram, êxodos de multidões famintas. E existem momentos despercebidos, uma criança que nasce, um velho que morre. Dentro de nós, existe tudo aquilo que existe em simultâneo em todas as partes.

Questiono os gestos mais simples, escrever este texto, tentar dizer aquilo que foge às palavras e que, no entanto, precisa delas para existir com a forma de palavras. Mas eu questiono, pergunto-me, será que são necessárias as palavras? Eu sei que entendes o que não sei dizer. Repito: eu sei que entendes o que não sei dizer. Essa certeza é feita de vento. Eu e tu somos esse vento. Não apenas um pedaço do vento dentro do vento, somos o vento todo.
    Escuta,
    ouve.
    Amor.
    Amor.

José Luís Peixoto) in 'Abraço'

domingo, 20 de outubro de 2013

Pedro Barroso - Tão Mulher



Um Nada …
Um Nada

A noite adormeceu sem estrelas e sem me pedir perdão !
...

Adormeceu na escuridão de um dia chuvoso
onde a tristeza habita,
no meio de Um Nada,
na faustosa imensidão do Ter

Nos seus braços,
cansada,
sem vontade de mim e de nada,
de mãos abertas vazias
soçobro,
lentamente,
na beira do cais da estação do …
Comboio da Vida

Subi um degrau e sentei-me numa pedra azul
que não gostou
e resvalou resoluta, pelo ...
Vale da Ilusão

Parou no sopé entre rochas,
entre galhos partidos,
entre folhas secas e flores mortas
por tanta imperfeição

Magoei-me …
mas naquela pedra, não coloquei mais a minha mão !

Acordei no meio da vida da minha razão
e
chorei agarrada a um galho que fazia menção,
de se cravar no meu coração

Olhei a noite ...
que sem estrelas continuava dormindo,
absorta,
como que nada se passasse neste mundo imundo
e pensei …

… mas vale a pena levantar-me, sempre que cair !

(Magá Figueiredo)
(ao abrigo do código do direito de autor)
 

Dorotea Mele & Gabry Ponte - Lovely on my hand



Ah, meu amor, não vá embora
Vê a vida como chora
Vê que triste esta canção
Não, eu te peço, não te ausentes
Pois a dor que agora sentes...

Só se esquece no perdão

Ah, minha amada, me perdoa
Pois embora ainda que doa
A tristeza que causei
Eu te suplico, não destruas
Tantas coisas que são tuas
Por um mal que já paguei

Ah, minha amada, se soubesses
Da tristeza que há nas preces
Que a chorar te faço eu
Se tu soubesses no momento
Todo o arrependimento
Como tudo entristeceu

Se tu soubesses como é triste
Eu saber que tu partistes
Sem sequer dizer adeus
Ah, meu amor, tu voltarias
E de novo cairias
A chorar nos braços meus

(Vinicius de Moraes)

Bebe - Siempre Me Quedara



Não sei se és lábio ou se és língua
Não sei se és mão ou textura de pele
Ou se és apenas gota de orvalho
Ou frescura num sopro de brisa
Mas gosto de sentir-te…

(JGD)

PORTO DE ABRIGO


Faz de mim o teu porto de abrigo
traz a tua pele para se juntar à minha
numa mistura de cheiros e sabores…...

e ancora a tua embarcação na enseada
dos meus braços…

E assim, adormece tranquila
enquanto eu velo pelo teu descanso

(Hamilton Afonso)

ALGURES


  Algures entre a dobra do teu sorriso
e a prega do teu vestido
algures entre o canto da tua boca...

e o recanto da tua nuca
Algures entre as minhas mãos e as tuas
entre os teus cabelos e a minha loucura

Algures entre o peito e a garganta
entre o ventre e as coxas
entre os nossos joelhos e a tua liga

algures entre a tua altura e a minha
entre essa vontade que anda sozinha
sem ninguém ao leme

Algures entre o teu corpo e a minha língua
entre a tua súplica e a minha fome
entre o teu suspiro e a minha sede
deixada à míngua
para morrer...
Algures sem nome
sem um gemido sequer
A terra geme sob o teu corpo mulher!

(são reis)
181013
 


Quem te disse que os meus olhos não choram?
O mar é saudade, suspiro na alma sincera
Quem te disse que a minha boca não fala?
Sou silêncio eterno, sempre á tua espera
...

O outono são lágrimas, folhas que caem no chão sem sono
Acorda o inverno com as memórias que dançam na chuva em abandono

E a primavera, será ainda sonhadora?
Está tão longe agora, como tu (e eu), a terra sem perfume nem hora

Quem te disse que não te amo, se as minhas asas sorriem no teu céu?
Se o meu coração é teu?
Por ti fui tudo e nada, luares na madrugada, vesti-me tua
E se desta ilusão, que nunca vivi, sonho e vi que estás em mim, sou nua

Que vento sussurrou nos teus ouvidos, que os meus lábios são mudos?

Sou gaivota que dança sem razão, voa sem prisão e canta
...sou o som na tua garganta

E do meu fogo nascem asas, mulher e sombra proibida, luz divina

E o teu amor é meu?

(Paula Oz)
  
 


 
O nosso amor é de papel como as flores que me deste, e no papel há-de ficar, para sempre escrito nas minhas palavras. E se vier a transformar-se em qualquer outra coisa, será sempre numa outra forma de amor: o papel vem das árvores, mas o a...mor vem do amor e nunca morre, mesmo depois de cortado, prensado e transformado. Amar é como plantar uma semente e tu já plantaste a tua no meu coração. "

(Margarida Rebelo Pinto)
Pintura de: Tomasz Rut



O amor é tempo e tu não tens tempo para mim.
Pelo menos agora.
Amor é sorte e talvez eu não tenha sorte.
Ou tenha, mas não contigo.
Há pessoas a quem falta a saúde,...

outras uma família que as proteja,
outras, a realização profissional.
Há mulheres que nunca conheceram os pais,
ou que não conseguem ter filhos.
Há pessoas que trabalham uma vida inteira
e nunca conseguem juntar dinheiro.
Há pessoas a quem lhes é retirada a liberdade,
ou lhes é interditada a vocação.
Na existência humana há sempre uma dimensão que falha.
Na minha,
na qual alcancei muito mais do que alguma vez achei possível,
talvez falte este tipo de amor que há tanto tempo procuro:
um amor pleno, supremo e incondicional,
um amor sereno e seguro que me proteja do mundo,
um amor certo e firme,
um amor real, em vez do mundo de sonhos
em que vivo mergulhada quase desde que me conheço.

(Margarida Rebelo Pinto)
 
 

 



O céu dos teus lábios é um vôo onde me perco

(Paula Oz)

QUANDO VOLTARES, PÕE NA TUA VOZ


 Quando voltares, põe na tua voz

aquela flor azul que te ofereci....


Talvez, assim, eu julgue reencontrar-te

e os olhos se encham, outra vez.


Ainda tens no gesto aquele susto

que se enrolava todo nos meus dedos

e punha à nossa volta

um colar de silêncio ardendo.


Tudo mudou, bem sei. Naquela tília

o outono já começou;

e nas tuas palavras

algumas folhas devem ter caído.


Mas, se voltares, põe a flor azul,

põe o passado no gesto e na voz.

Talvez assim eu julgue reencontrar-te

e os olhos se encham. É tão fácil!

(António Cabral)

VEM PELA MANHÃ


  Vem serena como a brisa
da tarde
Leve, vestida de seda...

Sem mais ninguém
E repousa como uma pena
Mas vem!...

Vem serena, docemente
pousar
Na janela do meu quarto
Como sombra de alguém
Ou de um pássaro inocente
Mas vem!...

Vem serena alegremente
brindar
Que a luz trémula
Já mal se detém
Traz o sopro divino contigo
Mas vem!..

Vem que não perguntarei
Às flores do quintal
Quem era
Mas sim quem é
E uma manhã esplendorosa
Rejubilará
E ficará à tua espera

(paxiano)

GOTAS DE CHUVA


Se eu te sentisse nas gotas de água
De uma chuva intensa
Dela nunca quereria
Me abrigar...

(José Gabriel Duarte)


CARTA


Amor:

Ensina-me o tempo que passa devagar
a festa, o canto e o riso...


Embala-me
até me dissolver no teu abraço
como se só houvesse este momento
em todos os momentos que hão de vir

E dá-me as tuas mãos e o teu corpo
para sentirmos de novo
a fome e a ânsia de nos termos

Ensina-me a vida
e o espanto, encanto do começo
e deixa-me o gosto de te amar.

(Angela Leite)

ÁGUAS TRÂNQUILAS


escolhi caminhar-te
até onde o horizonte me levar
e no final do caminho...

aguardas-me
paciente
tu sabes
que os meus passos navegam as tuas águas tranquilas

(João Carlos Esteves)

Saboreio-te
Nos pequenos detalhes
Plenos de amor
Sinto-te para além de mim

(Cris Anvago)
Poema do Livro: O Beijo das Palavras

TEMPO DE PAIXÃO


Vesti o corpo do nosso outono
Brisa fria, quente, húmida... arrepia
A saudade na minha pele sem sono...


Vento, arrepios, rios de suores
Nêspera... doce, carnuda
Sou fêmea delirante, entrego-me... escaldante


Pétalas dançam, suadas no ventre, nuas
Quando me tocam e em ti me sinto tua...

E assim renovo... amo-te sempre que acordo

(Paula OZ)

quinta-feira, 17 de outubro de 2013


Esconde tudo leva o meu cheiro para casa e esconde-o dentro de uma gaveta, não deixes que ninguém saiba que te quero e te desejo, não deixes que te falem de mim, não oiças o que os outros te dizem, eles não estão no meio de nós, ninguém está no meio de nós, só nós é que estamos aqui, a vida que vivemos é a nossa vida e não a que os outros querem que seja. Vive cada minuto intensamente e no maior segredo, faz como aquele poeta que só deixou que as suas palavras fossem lidas depois de morrer, para que ninguém o julgasse ou pudesse apontar-lhe o dedo.
Guarda-me bem, perto de ti, sempre perto, mesmo que eu não te veja ou tu não me fales, estarei ali, junto de ti, como Vénus sempre atrás da lua quando o dia cai e a noite se levanta, silenciosa, altiva, celeste e discreta. Deixa-me ficar ai, ai ninguém me vê, estou protegida pela discrição da noite, pelo silêncio dos pássaros que já dormem e não nos podem denunciar. Serei uma sombra, um suspiro, um sorriso, uma festa no teu cabelo.
E a minha presença, certa e segura junto ao teu coração, vai-te trazer de volta os sons das nossas conversas, a temperatura das nossas mãos entrelaçadas uma na outra, o sabor da minha boca na tua, o meu olhar dentro do teu como se nunca tivesse partido, como se nunca mais precisasses de voltar a essa estúpida rotina que nos rege os dias e as noites, e nunca mais te sentirás uma pessoa normal, igual às outras, porque é agora que podes ser dono da tua vida e do teu coração, é agora que tudo pode acontecer de outra forma e a vida se transformar em algo que sempre sonhaste!
 
(Margarida Rebelo Pinto)

quinta-feira, 10 de outubro de 2013

AMOR DA PALAVRA, AMOR DO CORPO


A nudez da palavra que te despe.
Que treme, esquiva.
Com os olhos dela te quero ver,
que te não vejo.
Boca na boca, através de que boca
posso eu abrir-te e ver-te?
É meu receio que escreve e não o gosto
do sol de ver-te?
Todo o espaço dou ao espelho vivo
e do vazio te escuto.
Silêncio de vertigem, pausa, côncavo
de onde nasces, morres, brilhas, branca?
És palavra ou és corpo unido em nada?
É de mim que nasces ou do mundo solta?
Amorosa confusão, te perco e te acho,
à beira de nasceres tua boca toco
e o beijo é já perder-te.
 
(António Ramos Rosa)
Imagem de: Frederic Leighton

FIGURA


A tua figura desperta a minha energia subtil
e ascende à primeira forma sublime e simples.
Primavera do mundo e aromático barco
e na palma da mão a delicada inicial.
Neste instante as luzes são passagens transparentes
e eu coloco o teu ventre novamente na paisagem.
Venho de ti e vou para ti antes do primeiro jacto
num côncavo seio na cúpula do segredo,
que é tão fechado como a não respiração
e que se abre no rosto dos meus membros.
 
(António Ramos Rosa)
Imagem de: Terje Adler Mork

PARA A AGRIPINA


Amanheceu a minha vida no teu rosto
De uma doçura intensa e tão suave
Como se um divino fundo nele brilhasse
Eu era o que nascia soberanamente leve
E encontrava na limpideza centro do equilíbrio
Só em ti cheguei amanhecendo na minha madurez
Entrei no templo em que a luz latente era a secreta sombra
Foste sonhada por meus olhos e minha mãos
Por minha pele e por meu sangue
Se o dia tem este fulgor inteiro é porque existes
E é porque existes que se levanta o mundo
Em quotidianos prodígios
Em que ao fundo brilha o horizonte certo.
 
(António Ramos Rosa,)in O TEU ROSTO
Imagem de: Eduardo Arguelles

UM CORPO QUE SE AMA


Para quem o deseja e quem o ama
um corpo é sempre belo no seu esplendor
e tudo nele é belo porque é sagrado
e, mesmo na mais plena posse, inviolável.
Um corpo que se ama é uma nascente viva
que de cada poro irrompe irreprimível
e toda a sua violência é a energia ardente
que gerou o universo e a fantasia dos deuses.
Tudo num corpo que se ama é adorável
na integridade viva de um mistério
na evidência assombrosa da beleza
que se nos oferece inteiramente nua.
Não há visão mais lucida do que a do desejo
e só para ela a nudez é sagrada
como uma torrente vertiginosa ou uma oferenda solar.
Esse olhar vê-o inteiro na perfeição terrestre.
 
(António Ramos Rosa)

SE HOUVER TEMPO


Se não voltares,
Sonharemos.
 
Se voltares
E se houver tempo
Fugiremos.
 
Voaremos nas asas do tempo
Se houver tempo.
 
(José Gabriel Duarte)

OS DOIS EM NÓS


Se eu viver em ti
Não serás tu
Não serei eu
Seremos apenas
Os dois
Habitaremos juntos
Partilharemos o viver
O acontecer
Seremos cúmplices
Da outra parte.
 
De cada um de nós.
 
(José Gabriel Duarte)

PORQUE EXISTIAS


Por entre as pausas e silêncios de uma voz
Tentei perceber se eram compassos
Que me enlouqueciam
Por entre os desvios e reflexos de um olhar
Tentei aperceber-me se eram raios e cores
Que me atraíam
Depois entrei no templo erguido
No teu corpo
Senti que não eras sonho
Que existias.
 
(José Gabriel Duarte)


ESPREITANDO


Quando espreito pelas janelas dos teus olhos,
 
Fico a saber se ainda tenho espaço
dentro de ti...
 
(José Gabriel Duarte)

quarta-feira, 9 de outubro de 2013

ÁGUAS TRÂNQUILAS


escolhi caminhar-te
até onde o horizonte me levar
e no final do caminho
aguardas-me
paciente
tu sabes
que os meus passos navegam as tuas águas tranquilas
 
(João Carlos Esteves)

MUITAS VEZES TE ESPEREI, PERDI A CONTA


Muitas vezes te esperei, perdi a conta,
longas manhãs te esperei tremendo
no patamar dos olhos. Que importa
que batam à porta, façam chegar
jornais, ou cartas, de amizade um pouco
- tanto pó sobre os móveis tua ausência.
Se não és tu, que me importa?
Alguém bate, insiste através da madeira,
que me importa que batam à porta,
a solidão é uma espinha
insidiosamente alojada na garganta.
Um pássaro morto no jardim com neve.
 
(Fernando Assis Pacheco) in A MUSA IRREGULAR

terça-feira, 8 de outubro de 2013

MARCAS DO TEMPO


 Deixa que o vento leve
a poeira da vida
E que nos olhos fixos...

no horizonte
Um raio de luz
Semeie claridade
Cor diferente
Onde se esconde saudade

Deixa que o vento lave
O rosto de pele tisnada
E que os olhos humedecidos
de ardor palpitante
Brilhem de alegria
Assomo retido, distante

Deixa que o vento sopre
toda a sua fúria
E que a mensagem
perdida
Se propague como o som
Ribombe no ouvido
E o eco se desprenda ferido

Há trilhos vincados que não são
esquecidos
E brilhos fugazes que tocam
os sentidos

(paxiano)

[ESPERO-TE]


 Espero-te
Mas conto apenas até dois
Receio o depois
Dizer três...

E não chegares
Perder-te de vez...

(José Gabriel Duarte)

NUMA FOLHA DE PAPEL


Pedi ao vento que me levasse
Como folha de papel
Me voasse contra o tempo
Tão veloz como um corcel
Me pousasse numa lua
Envergonhada e nua
Que fosse tão doce e bela
Que eu me deitasse nela
Por me parecer ser a de mel.
 
(José Gabriel Duarte)

sábado, 5 de outubro de 2013

DOCE BRISA


  Doce brisa , minha única companheira nas tardes de inverno...
...

Suavemente me tocas

E com a cumplicidade de bons amigos que somos

Vamos nós .Apenas eu e você...

Me falas das suas aventuras

Dos amores vividos

Das sensações experimentadas

Porém jamais me falara de saudade...

Ah! Como eu gostaria de não saber falar de saudade!

E como a doce brisa poder te tocar suavemente e imperceptivelmente.

E só então eu poderia dizer

De tudo que já experimentei

De tudo que já vivi

Apenas não sei falar de saudade

(Doris Castro)

ENCANTAMENTO


Vi as mulheres
azuis do equinócio ...

voarem como pássaros cegos; e os seus corpos
sem asas afogarem-se, devagar, nos lagos
vulcânicos. Os seus lábios vomitavam o fogo
que traziam de uma infância de magma
calcinado. A água ficava negra, à sua volta;
e os ramos das plantas submersas pelas chuvas
primaveris abraçavam-nas, puxando-as num
estertor de imagens. Tapei-as com o cobertor
do verso; estendi-as na areia grossa
da margem, vendo as cobras de água fugirem
por entre os canaviais. Espreitei-lhes
o sexo por onde escorria o líquido branco
de um início. Pude dizer-lhes que as amava,
abraçando-as, como se estivessem vivas; e
ouvi um restolhar de crianças por entre
os arbustos, repetindo-me as frases com uma
entoação de riso. Onde estão essas mulheres?
Em que leito de rio dorme os seus corpos,
que os meus dedos procuram num gesto
vago de inquietação? Navego contra a corrente;
procuro a fonte, o silêncio frio de uma génese.
 
(Nuno Júdice)
 ….

…Existe sempre um olhar
Que aguarda por nós
Sem medir o tempo da Saudade…

(Fátima Porto.)


Se fosses praia Dulcineia
Templo de areia
Se tivesses rosto de mulher
Corpo de sereia
Esconder-me-ia do teu Sol
Até que uma Lua chegasse...

Calaria a voz do vento
Logo que uma brisa soprasse
Faria de espuma, de onda
De mar, e te inundava
Te beijava
De noite
Ao luar, como se eu fosse
... Maré cheia!

(©JGD)


Quando se ama todos os abraços são passageiros. E é por isso que nunca deixam de ser eternos

(Pedro Chagas Freitas)

O POÇO


Com minhas frágeis
e frias mãos
Cavei um poço...

no fundo do horto
da solidão
Cavei um poço
mas bem profundo
com minhas mãos.

(Henriqueta Lisboa)
in "A face lívida"

O CÉU DA TUA BOCA


Não sei se já te disse, meu amor, que um dia, talvez
ainda distante, haveremos de comungar da mesma
estrada, e de pés nus, por caminhos de pedras,...

chegaremos a um sítio, a que todos chamam de céu.
Mas para que queremos nós o céu, se eu tenho o céu
da tua boca e a minha boca é o teu céu?
Continuemos percorrendo a nossa estrada, onde as
flores não se cansam dos nossos pés, doloridos, e onde
os nossos corpos já dormem, no êxtase perpétuo, da
união de todas as coisas.

(Ana Fonseca da Luz)

RIO DE AMOR


Adormeço nos rios de teu corpo,
Onde minha sede se sacia,
Embarco nos teus abraços,...

Deixando as velas ao vento,
Nos remos do teu ardor...

Bailam-me ancas nas águas,
Me dispo na tua boca,
Sôfrega do verbo te amar,
Multiplicam-se estrelas,
Neste desejo efervescente,
E todas as galáxias distantes,
Afloram em brisas de espasmos,

Re-nascemos em cada lugar,
Onde nossa pele se assalta,
Se gruda, se metamorfoseia,
Eclodimos na maré do desejo,
Des-aguamos na foz do anseio,
Somos-nos sal-doce-a-mar e volúpia.

(Cristina Correia)

Kenny G & Chante Moore - One More Time (traduçao)



Hoje quero com a violência da dádiva interdita.
Sem lírios e sem lagos
e sem gesto vago
desprendido da mão que um sonho agita....

Existe a seiva. Existe o instinto. E existe eu
suspensa de mundos cintilantes pelas veias
metade fêmea metade mar como as sereias.

(Natália Correia) in "Poemas"


Se te pareço noturna e imperfeita
Olha-me de novo. Porque esta noite
Olhei-me a mim, como se tu me olhasses.
E era como se a água
desejasse.
...

Escapar de sua casa que é o rio
E deslizando apenas, nem tocar a margem.
Te olhei. E há um tempo.

Entendo que sou terra. Há tanto tempo
Espero
Que o teu corpo de água mais fraterno
Se estenda sobre o meu. Pastor e nauta

Olha-me de novo. Com menos altivez
e mais atento.

(Hilda Hilst)
Pintura de: Alexandre Cabanel

Assim que se olharam, amaram-se; assim que se amaram, suspiraram; assim que suspiraram, perguntaram-se um ao outro o motivo; assim que descobriram o motivo, procuraram o remédio.

(Shakespeare)
 Pintura de: Javier Calvo


Gostava de estar ao teu lado, abraçado, e num lugar onde não houvesse radio, nem TV, nem Net, sem ruído de fundo, e onde estivéssemos os dois sós, gostava que falássemos em surdina, e ao ouvido, para que cada um de nós melhor sentisse o que o outro tinha para dizer, gostava que falássemos de tudo, mas que desse tudo, falássemos apenas de nós...

(©JGD)

Pus o meu sonho num navio
e o navio em cima do mar;
- depois, abri o mar com as mãos,
para o meu sonho naufragar
...

Minhas mãos ainda estão molhadas
do azul das ondas entreabertas,
e a cor que escorre de meus dedos
colore as areias desertas.

O vento vem vindo de longe,
a noite se curva de frio;
debaixo da água vai morrendo
meu sonho, dentro de um navio...

Chorarei quanto for preciso,
para fazer com que o mar cresça,
e o meu navio chegue ao fundo
e o meu sonho desapareça.

Depois, tudo estará perfeito;
praia lisa, águas ordenadas,
meus olhos secos como pedras
e as minhas duas mãos quebradas.

(Cecília Meireles)
Imagem de: Knut  Ekvall