sábado, 28 de abril de 2018

DE VOLTA


Era manhã e anoiteceu,
sem ter havido tarde nem meio-dia,
e tudo em volta envelheceu,
perdendo cor e poesia.
Mas tu chegaste e a tarde aconteceu
e voltei a ser eu.


(Torquato da Luz)
Arte de: Kathrin Longhurst

PALAVRAS INTERDITAS


Não ouças o que eu digo, não dês voz
às palavras que à noite te murmuro.
São setas de arremesso contra o muro
de silêncio que erguemos entre nós.

O que tenho a dizer-te está além
de tudo o que te digo e o que sinto.
Por muito que te minta (e eu não minto)
são coisas que não digo a mais ninguém.

Porque sobre as palavras que te digo
voa o pássaro azul dos sentimentos
que não sei transmitir, mas trago dentro

de mim quando me encontro a sós contigo
e ignoro as palavras interditas
que diriam o amor com que me fitas.


(Torquato da Luz)
Foto dos actores: Gary Grant e Ingrid Bergman

O CORPO NÃO ESPERA

O corpo não espera. Não. Por  nós
ou pelo amor. Este pousar de mãos,
tão reticente e que interroga a sós
a tépida secura acetinada,
a que palpita por adivinhada
em solitários movimentos vãos;
este pousar em que não estamos nós,
mas uma sede, uma memória, tudo
o que sabemos de tocar desnudo
o corpo que não espera; este pousar
que não conhece, nada vê, nem nada
ousa temer no seu temor agudo.
Tem tanta pressa o corpo! E já passou,
quando um de nós ou quando o amor chegou.

(Jorge de Sena)