quarta-feira, 17 de abril de 2019

DOS ISLAS


No hago vida de mí. Cuando estoy solo
no hago vida de mí. Te necesito
a cada instante, siempre, incluso cuando
no sé quién eres tú ni dónde estás
ni qué quieres de mí. Cuando estoy solo
siento que estoy en mala compañía.
No sé hacer vida de mi soledad.

Pero no sé tampoco no estar solo.
No sé de mí sin ti. Te necesito
tanto como te temo. Amo tus manos
tal vez porque no están. Amo el abismo
abierto entre nosotros (¿qué es nosotros?),
que no existimos. Busco otro pronombre
que no sea tú ni yo, nosotros, nadie,
una especie de yu, de to, de tuya
de Mogador para tallar la barca

de madera y mentira
donde huir dónde, juntos, deseándonos.
Somos dos islas una frente a otra
que aman el mar que las separa y une.
(Juan Vicente Piqueras)

FORA DE PRAZO


A infelicidade engorda mais 
 do que vinte tabletes 
 de chocolate Regina. 
 Mesmo partida aos quadrados 
 e embrulhada em prata
 para disfarçar, 
 tem mais calorias. É um veneno, 
 a infelicidade. Matou uns quantos
 pelo caminho e mesmo assim
 tem prosseguido ao longo dos séculos
 engolindo sulcos de tempo e 
 lamelas de comprimidos.
 Infelicidade, por seres minha, 
 tenho-te algum respeito.
 Gostava de mandar-te para. Mas
 é tão longe que, temo, 
 sentir-me-ia sem ti só 
 e, pior, infeliz. 
Sigo.
 De braço dado contigo. 
 Primeiro, pelo adro fora.
 Depois, pelo jardim fora. 
 Qual paraíso. 
 Não, isso não chega: sigo contigo
 pelo universo; cubro
 chineses, paquistaneses, neozelandeses 
 com o teu manto diáfano
 de choro.
 E é sempre contigo, 
 minha puta, que partilho
 a bandeja das recordações;
 é sempre contigo, minha puta fiel,
 que digo, num sorriso minúsculo e muito tímido:
 hoje o lanche é chocolates. 
 Come chocolates, pequena.
Porque, sabes?, 
 querer ser feliz não é pecado. Mas
 infelizmente já passou o prazo.

(Inês Fonseca Santos]
Foto de Paul Apal'Kin

NADA É CERTO

Ninguém avança pela vida em linha recta. 
Muitas vezes, não paramos nas estações indicadas no horário.
Por vezes, saímos dos trilhos. Por vezes, perdemo-nos, ou
levantamos voo e desaparecemos como pó.
As viagens mais incríveis fazem-se ás vezes sem se sair 
do mesmo lugar. No espaço de alguns minutos, certos indivíduos
vivem aquilo que um mortal comum levaria toda a sua vida a viver.
Alguns gastam um sem número de vidas no decurso da sua estadia cá em baixo.
Alguns crescem como cogumelos, enquanto outros ficam inelutavelmente
para trás, atolados no caminho.
Aquilo que, momento a momento, se passa na vida de um homem é para sempre insondável.
É absolutamente impossível que alguém conte a história toda por muito limitado que seja
o fragmento da nossa vida que decidamos tratar.

(Henry Miller) - in, "O Mundo do Sexo"
Arte de Alberto Seveso