quinta-feira, 26 de maio de 2016

TOCA-ME


conjuga um verbo que conheças
no presente do indicativo,
soletra-o na segunda pessoa
do singular ao meu ouvido,
dá-me qualquer coisa
que me pareça eterno.


(José Rui Teixeira)
Photography: Jaroslaw Datta

BEIJA-ME


beija-me o primeiro beijo uma vez mais.
fecha os olhos em antecipação
do frémito do corpo que amaste um dia,
desenha-lhe agora hálitos confusos,
serpentinas no tempo,
espirais de vontade.
cala-me os lábios com um sorriso
e depois, calmamente, com cuidado,
descola-te de mim sem adeus.
ou façamos um beijo desesperado,
desalmado.
só corpos
suemos cascatas de prazer sentido
no limite da consciência,
ou percamo-la, até.
beija-me
como se a memória fosse a última das derrotas,
beija-me no presente,
por quem sou.
beija-me então sem sentido,
sem retidão, dá-me o beijo imoral.
beija-me ao engano,
perde-te por mim fora e oferece-me aos deuses da morte
se quiseres.
mas beija-me o primeiro beijo.
e esse, por favor,
guarda-o só para mim.


(Carlos José Teixeira)
Photography: Amber Gray

HÁ UMA MULHER DENTRO DE MIM


que não é gramática decomposta nem acento circunflexo.
Não é metáfora exagerada, nem vegetação espessa no limite da vírgula.
Não é anáfora suada, nem rigor maiúsculo no recuo do parágrafo.
Há uma mulher dentro de mim que não é periferia nem superfície transversal.
Essa mulher que não outra mulher, esmaga-me as telhas no tecto da boca.
Tenho-a calada e encavalitada debaixo das palavras mais fáceis de carcomer.
Tenho-a cansada e regrada por cima das feridas menos custosas de sarar.
Mas essa mulher que dentro de mim não me permite outra habitação que não esta,
não me serena a vontade áspera de romper a madeira dos braços,
de moer do úmero a lasca e da acha articular outro galho maior.
Há uma mulher dentro de mim que não me reconhece como sua.
Há uma mulher dentro de mim que míngua encolhida no cavo do medo.
Há uma mulher dentro de mim que ama uma mulher insuficiente de si mesma. 

Alice Turvo