sábado, 15 de fevereiro de 2014

LEMBRANÇA


 Ponho um ramo de flores
na lembrança perfeita dos teus braços;
cheiro depois as flores
e converso contigo...

sobre a nuvem que pesa no teu rosto;
dizes sinceramente
que é um desgosto.

Depois,
não sei porquê nem porque não,
essa recordação
desfaz-se em fumo;
muito ao de leve foge a tua mão,
e a melodia já mudou de rumo.

Coisa esquisita é esta da lembrança!
Na maior noite,
na maior solidão,
sem a tua presença verdadeira,
e eu vejo no teu rosto o teu desgosto,
e um ramo de flores, que não existe, cheira!

Miguel Torga, in Diário I (1941, Coimbra, 7ª ed., 1989)

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