quinta-feira, 16 de junho de 2016

CHEIRO A SÂNDALO


Um tudo-nada de cheiro a sândalo envolve o teu corpo, que pulsa e distende as veias
tão cheias de sangue ardente. Há um mar de gotículas na tua pele e na minha pele; há
vinho doce nos lábios e no teu colo côncavo e afluente. há sal nas nossas bocas desatinadas e loucas; há luz na sombra dos nossos dedos que retardam a chegada da manhã; há uma montanha, outra montanha, um vale, um deserto e o mar... e o cheiro a sândalo volta a encher o quarto. O mar queima a cada murmúrio; uma melodia tocada em surdina entoa em  cada passo sincronizado; e um cosmos vazio de constelações entranha-se e cola-se a nós como mel. O sonho divide-se em partículas e estas formam o paraíso no outro lado da alma. São vestidas de seda nos lençóis suados, que as letras se fundem e formam uma só palavra; por isso, tenho a janela do meu peito aberta para que espreites o silvar do vento em mim, e possas navegar em cada um dos malmequeres que despontam debaixo da minha pele. Questionamos tudo que não entendemos, desatamos nós e apertamos laços na presença do tempo que nos foge e nos escapa das mãos, e no tardar de outro suspiro transmutamo-nos para além dos corpos. É doce o ar que entra e sai dos pulmões ofegantes...cheira a amor acabado de fazer... cheira a sândalo.


(Francisco Valverde Arsénio) -in Marginálias: Poemas

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