segunda-feira, 6 de maio de 2013

POEMA V




 Para que me oiças
minhas palavras
...
adelgaçam-se às vezes
como a pegada das gaivotas nas praias.

Colar, guiso embriagado
para as tuas mãos suaves como as uvas.

Minhas palavras, vejo-as tão distantes!
Mais que minhas, são tuas.
Pela minha dor vão trepando como heras.

Trepam assim pelas paredes húmidas.
És a culpada deste jogo sangrento.

Estão a fugir do meu sombrio abrigo.
Tu ocupas tudo, ocupas tudo.

Antes de ti povoavam a solidão que ocupas,
e estão habituadas mais que tu a esta tristeza.

Quero agora que digam o que anseio dizer-te
para que as oiças como anseio que oiças.

O Vento da angústia costuma ainda arrastá-las.
Furações de sonhos ainda às vezes as tombam.
Escutas outras vozes na minha voz dorida.
Pranto de velhas bocas, sangue de velhas súplicas.
Ama-me, companheira. Não me abandones. Segue-me.
Segue-me, companheira, nesta vaga angústia.

Mas vão-se tingindo com teu amor minhas palavras.
Tu ocupas tudo, ocupas tudo.

De todas vou fazendo um colar infinito
para tuas brancas mãos, suaves como as uvas.
 
(Pablo Neruda)
 
 

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