sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

EXPLICAÇÃO DA ETERNIDADE



devagar, o tempo transforma tudo em tempo. 
o ódio transforma-se em tempo, o amor 
transforma-se em tempo, a dor transforma-se ...
em tempo. 

os assuntos que julgámos mais profundos, 
mais impossíveis, mais permanentes e imutáveis, 
transformam-se devagar em tempo. 

por si só, o tempo não é nada. 
a idade de nada é nada. 
a eternidade não existe. 
no entanto, a eternidade existe. 

os instantes dos teus olhos parados sobre mim eram eternos. 
os instantes do teu sorriso eram eternos. 
os instantes do teu corpo de luz eram eternos. 

foste eterna até ao fim. 

(José Luís Peixoto) - in "A Casa, A Escuridão"


Encontro-me e desencontro-me, sem nunca ter fugido
de mim, nem ter-me procurado...

(José Gabriel Duarte) -in As Cores do Desejo : Poemas improváveis

Editora, Versbrava 2014

NEM SEI SE SOU



Nem sei 
se algum dia
virei a saber quem sou...
ou como sou
ou como esse alguém
eu pareço ser

Nem sei mesmo
se deverei saber
se me devo perguntar
ou ter de responder

Porque nem mesmo
sei se sou...

(José Gabriel Duarte) - in As Cores do Desejo : Poemas improváveis

Editora, Versbrava 2014

(...)
Ainda não sei bem mas parece que renasci nestes dias vagos. Não. Não morri nas noites inventadas do nada e não me sentei numa nuvem qualquer ou dei pontapés na lua.

Recordo que me pediste um sonho onde não houvesse estrelas. E também uma estação do ano despida de nadas em que o cinzento do fim do dia entrasse pela porta, errante e vagamente absorto, onde o vento seguisse pela rota traçada ...no sono… invisível… tétrico… rasgado. Recordo que me pediste que me preocupasse apenas com as linhas do teu rosto.

Sim. Renasci nestes dias fora de gestos. Lavei palavras manchadas. Expurguei outras e diluí-me no sulco da minha essência. Ah! É verdade…. recordo que me pediste um sonho onde não houvesse estrelas.
(...) 

(© francisco valverde arsénio)

Foto de: Donna Blackchall


E, aquele 
Que não morou nunca em seus próprios abismos
Nem andou em promiscuidade com os seus fantasmas
Não foi marcado. Não será exposto
Às fraquezas, ao desalento, ao amor, ao poema.

(Manoel de Barros)


Desconheço o autor da pintura

CORPOS



Teu corpo é arco
na ponta dos meus dedos
três leves polpas...
na flor da minha mão
com que inflamo a manhã
no teu ventre.

mergulhado
nos teus braços
envolto em lábios,
em perfume.

em beijos,
na água do teu pescoço
brando de rosas
nos picos doces
no peito leve.

Quando somos amor
nossos corpos são arcos

(José Jorge Frade)

Arte de: Stephen Mitchell - 2010

DE MÃOS DADAS COM A NOITE



Hoje não me apetece dormir!
Depois da chuva e pela calada da noite
sentei-te bem junto a mim,...
escrevi a tua morada no meu peito
e numa conversa surda de sentimentos frios
pelos caminhos incertos, tão nossos,
procurei na noite o som da tua voz.
Mas não dissemos nada!
Nem os segredos de quem somos...

Hoje não me apetece dormir!
Soprei-me então por entre as vagas soltas
para dentro do vazio do teu abraço.
E caminhei assim de mãos dadas com a noite.

(António Carlos Duarte)- in da Geometria do Amor

Arte de: Dorina Costras