quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

OS AMANTES

As palavras amendoam o sorriso, amado, amada
conversam e conversam, deitados lado a lado
...
depois, e devagar, macia-mente
passam à pele absoluta do silêncio

(Isabel Cristina Pires)

A PAIXÃO


Levanto a custo os olhos da página; 
ardem; 
ardem cegos de tanta neve.

...

Faz dó esta paixão pelo silêncio, 
pelo sussurro do silêncio, 
pelo ardor 
do silêncio que só os dedos adivinham. 
Cegos, também


(Eugénio de Andrade)

SEXO ORAL


Primeiro a tua língua molha o meu
coração, num vagar de fera. Estendo
aurículas e ventrículos sobre a mesa, entre...
os copos que desaparecem. Não há mais
ninguém no bar cheio de gente. Abres-me agora os
pulmões, um para cada lado, e sopras. Respiras-
-me. O laser das tuas palavras rasga-me o lobo
frontal do cérebro. A tua boca abre-se e fecha-se,
fecha-se e abre-se, avançando
por dentro da minha cabeça. As minhas cidades
ruem como rios, correndo para o fundo dos teus olhos.
O tempo estilhaça-se no fogo
preso das nossas retinas. O empregado do bar
retira da mesa o nosso passado e arruma-o na vitrina,
ao lado dos exércitos de chumbo.
Entramos um no outro,
abrindo e fechando as pernas
das palavras, estremecendo no suor dos
olhos abraçados, fazendo sexo
com a lava incandescente dessa revolução
imprevista a que damos o nome de amor.


(Inês Pedrosa)

quinta-feira, 24 de dezembro de 2015

A PALAVRA QUE DESNUDO


Entre a asa e o voo
nos trocámos
como a doçura e o fruto
nos unimos
num mesmo corpo de cinza
nos consumimos
e por isso
quando te recordo
percorro a imperceptível
fronteira do meu corpo
e sangro
nos teus flancos doloridos
Tu és o encoberto lado
da palavra que desnudo

(Mia Couto)
Arte de: Anna  Razumovskaya

A MULHER FELIZ


Está de pé sobre as brancas dunas. As ondas conduziram-na
e os ventos empurraram-na, está ali, na perfeição redonda
da oferenda. E como que adormece no esplendor sereno.
Diz luz porque diz agora e és tu e sou eu, num círculo
Só. Está embriagada de ar como uma forte lâmpada
É uma área de equilíbrio, de movimentos flexíveis,
um repouso incendiado, a vitória de uma pedra.
Abrem-se fundas águas e um novo fogo aparece.
Que lentas são as folhas largas e as areias!
Que denso é este corpo, esta lua de argila!
Nua como uma pedra ardente, mais do que uma promessa
fulgurante, a amorosa presença de uma mulher feliz.
Nela dormem os pássaros, dormem os nomes puros.
Agora crepita a noite, as línguas que circulam.
Crescem, crescem os músculos da mais intima distância.


(António Ramos Rosa) - in Volante Verde , Moraes Editora, 1986

TER-TE


Ter-te longe
e desejar-te aqui,
onde o frémito do corpo acontece.
Aqui, lugar onde
o vício dos olhos e das mãos me inquieta.
Ah, ter-te perto
suster a respiração,
cerrar os olhos
e deixar que tudo comece
e acabe em ti.
Ensaiar o voo da águia
e suavemente planar sobre a superfície
sinuosa do teu corpo perfeito
no asa-delta da paixão.
Ter-te perto,
sentir o perfume da tua presença
pelo calor do corpo,
pela claridade dos olhos
e pensar
que o sol e a alegria
de cada manhã,
nascem exatamente em ti.

(Miguel Afonso Andersen)- in “Circum-Navegações” (Raiz perturbada)
Arte:Erica Chappuis

quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

NÃO GOSTO DE MIM SEM TI



Folhas caídas no chão do meu quarto.

Escrevo-te perdido em palavras numa Primavera sem nexo, perdida no frio deste Inverno que a empurra para longe....


Deito-me, sozinho.

Deito-me por baixo de um lençol sem cheiro, sem marcas, sem nada teu, que apenas me cobre a mim.

Muitas vezes me perguntei como se podia amar alguém, sem nos amarmos a nós próprios...

Mas...

...Não gosto de mim sem ti.

(Joe M. Santos Rubio)