sexta-feira, 28 de novembro de 2014

A RECUSA DAS IMAGENS EVIDENTES


Há noites que são feitas dos meus braços
E um silencio comum às violetas.
E há sete luas que são sete traços
De sete noites que nunca foram feitas....


Há noites que levam à cintura
Como um cinto de grandes borboletas.
E um risco a sangue na nossa carne escura
Duma espada à bainha dum cometa.

Há noites que nos deixam para trás
Enrolados no nosso desencanto
E cisnes brancos que só são iguais
À mais longínqua onda do seu canto.

Há noites que nos levam para onde
O fantasma de nós fica mais perto;
E é sempre a nossa voz que nos responde
E só o nosso nome estava certo.

Há noites que são lírios e são feras
E a nossa exactidão de rosa vil
Reconcilia no frio das esperas
Os astros que se olham de perfil.

(Natália Correia)

Olho-Te pelas janelas de meus olhos
Abro-as de par em par
Inspiro teus
L ábios
Teu hálito me aquece
Teu sopro me refresca...

Tenho tanto para te Dar
Tanto tanto para te
E ncantar
Sonhos que nunca Sonhaste Sonhar
Passeios que nunca
Passeei Passeando
Gelada está a chuva da
N oite
Crepitam galhos ferozes
Abanam-se desalmados
Os coitados
Gritam sussurrando mágoas
D ores
Batutas em Mares ordenam
Chamam a nossa atenção
Tu e eu desatentos achados em candeias de
A mores
( Manuela Passarinho)

PASSEIO AS MÃOS PELO TEU CORPO E SINTO-TE...


Passeio as mãos pelo teu corpo e sinto-te…
Sinto o pulsar do teu coração que bate desenfreado
Sinto a tua respiração num ritmo descontrolado…...

Sinto que queres ser minha como eu ser teu
Sinto que és a rainha deste plebeu…
Mas sinto essencialmente a tua pele…
Toda ela é a tua essência
Toda ela é a mulher que foste,
A mulher que és, a mulher que amo:
Pele madura, vivida,
Repleta de marcas do tempo,
Perfeita para mim;
Pele suave, sensível,
Propensa a arrepios,
Beijada até ao fim…
Pele… é tua… é minha… é nossa…
Onde a tua termina, a minha começa…
Quando a tua sente frio, a minha te aquece
Quando a tua sente ardor, a minha te arrefece…
Não preciso de mapa para me orientar
Mas na tua pele ainda me posso perder
Em cada cicatriz, em cada recanto,
Em cada sinal, em cada encanto…
Pele com pele, eu sinto o teu aroma…
Pele com pele, o nosso único idioma…

(Alexandra Santos) - in Palavras Sussurradas, Chiado Editora, 2014
 

POEMA AO JANTAR


Olá, que estás a fazer?
O jantar.
O que é que vais fazer?...

Um poema…
Só um poema, ou alguma coisa para acompanhar?
Sim, vou juntar-lhe o tempo…
e meia dúzia de pensamentos, dos mais pequenos…
Posso ajudar-te?
Claro, fazemos para os dois.
Passa-me aquelas palavras…
Quais?
As que estão por aí sem norte, desarmadas e frias.
E servem?
Vais ver, tenho um truque que as torna de ler e chorar por mais.
Não estão duras?
Com um pouco de paciência e cozedura lenta, amolecem.
Espera, preciso de bater primeiro o coração.
Queres que bata?
Bate comigo, os dois somos o número ideal.
Põe mais beijos…
mais, não deixes cair muitos de uma vez.
Tem já uma bela cor!
estou a ficar cheio de fome.
então pega no meu corpo e aquece-o,
Não deixes queimar, mexe sempre os olhos,
repara na cidade e nas sombras que diminuem.
cuidado não vá engrossar esse modo de ser.
Já podemos juntar tudo?
Falta-me a ternura, não sei se restou alguma,
tive um poema enorme a semana passada.
espera, já cresceram mais umas folhas.
Apanha com cuidado, para a deixar crescer outra vez.
Agora basta que me tenhas e me queiras,
Junta o ramo de cheiros que a tua memória colheu
Cheira, como é boa essa pitada de loucura que juntaste.
Vá, senta-te, Vou servir.
Pão?
Não, prefiro assim. Traz o vinho
Tinto?
Claro, e tu senta-te, não quero começar sem ti.

 (Jorge Bicho) -in Por dentro das palavras ,Lua de Marfim, 2011

DEPOIS DE TI...


Vem por esse caminho fora
Enquanto o espaço é tempo
e o tempo alvorada...

Mas vem terna, silenciosa
Que a tua hora é chegada
Escolhido foi este momento
Enquanto te ergues desse lastro
apagado
Vem que é chegado o tempo
de seres tu e só tu
Brilho que se levanta deste lado
Ergue-te para além do tempo
Na encosta do verde pinho
Depois de ti mais nada
Luz de fosca madrugada
Fogo de labareda apagada
Terno olhar d´alguém sozinho
Depois de ti… mais nada
Só o brilho da eterna madrugada

 (paxiano)

Agora que sinto amor/ Tenho interesse no que cheira./ Nunca antes me interessou que uma flor tivesse cheiro./ Agora sinto o perfume das flores como se visse uma coisa nova.

 (Fernando Pessoa)

AMOR FINO


O amor fino não busca causa nem fruto. Se amo, porque me amam, tem o amor causa; se amo, para que me amem, tem fruto: e amor fino não há-de ter porquê nem para quê. Se amo, porque me amam, é obrigação, faço o que devo: se amo, para que me amem, é negociação, busco o que desejo. Pois como há-de amar o amor para ser fino? Amo, quia amo; amo, ut amem: amo, porque amo, e amo para amar. Quem ama porque o amam é agradecido. quem ama, para que o amem, é interesseiro: quem ama, não porque o amam, nem para que o amem, só esse é fino.

(Padre António Vieira) - in "Sermões"