sexta-feira, 26 de junho de 2020

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Não digas nada, dá-me só a mão. Palavra de honra que não é preciso dizer nada, a mão chega. Parece-te estranho que a mão chegue, não é, mas chega. Se calhar sou uma pessoa carente. Se calhar nem sequer sou carente, sou só parvo.

(António Lobo Antunes) 

domingo, 19 de abril de 2020


Não sei como dizer-te que minha voz te procura e a atenção começa a florir, quando sucede a noite esplêndida e vasta. Não sei o que dizer, quando longamente teus pulsos se enchem de um brilho precioso e estremeces como um pensamento chegado. Quando, iniciado o campo, o centeio imaturo ondula tocado pelo pressentir de um tempo distante, e na terra crescida os homens entoam a vindima — eu não sei como dizer-te que cem ideias, dentro de mim, te procuram. 

(Herberto Helder)
Foto de: Cezary

Carta de Marear


Não há corpo igual. Não há cheiro nenhum no mundo que colmate o meu vício por ti. Não há tragédia igual. Drama incorruptível.
O tamanho de tudo, encaixe perfeito, a dimensão do conjunto e a distância entre opostos.
O que aporto eu? Flores. Mecanismos para deliciar. Sorrisos repartidos ao pôr-da-lua. Fazer ver a leveza do mundo, afinal. São flores que eu aporto. A minha caneta, o meu lápis, a tua vida no meu caderno-para-sempre. Votos de mar a vida inteira.
Leva-me. Está a ficar escuro. Tenho tudo tão pertinho.
Há uma pornografia íntima nisto nosso. Dá água na boca.
Segura-me. Musa.
Porque a pele.
Porque o rosto e as minhas mãos descendo.
Porque nós.
Não fiques, mas não vás. Avião outra vez. Porque tu.
O meu anel está a arder.
Tudo tão muito e eu a tremer como sempre.
A minha esperança é azul. Propagação. Níveis do Inferno.
Flores de Jacarandá no chão.
Gostava de me decifrar. Perdi o relógio, perdi a caneta, não perdi o anel. Ele arde-me.
Era isso! A faísca. No caos, a faísca. Tu. Não esquecer.
Fazer ver a leveza da tempestade. Até doerem os dedos. Até chorar. Até rir. Até dormir descansada no teu peito azul.
Comer-te.
Orgasmo.
Não esquecer. (Patrícia Baltasar)

Tenho os Olhos Negros de Tanto Assistir


Escrevo-te porque não sei de ti, porque o meu lugar é demasiado certo, porque não me perco mais.

 Um leve fio do teu cabelo para me levar. Um homem disse que só se caminha andando. 

O meu caminho é o teu cabelo na minha casa. 

Os passos que deixaste para trás e que eu sigo. Que eu sigo.



 Porque o meu corpo é muito mais digno 

 agora 

 que tu lhe tocaste.



(Patrícia Baltasar )

quarta-feira, 25 de março de 2020

No Tempo Dividido



Não te chamo para te conhecer
Eu quero abrir os braços e sentir-te
Como a vela de um barco sente o vento

Não te chamo para te conhecer
Conheço tudo à força de não ser

Peço-te que venhas e me dês
Um pouco de ti mesmo onde eu habite

(Sophia de Mello Breuner Andressen)

quarta-feira, 15 de janeiro de 2020

INFINTAMENTE


Canto a tristeza
de não ser flor

(Sónia Brandão)

AQUELA QUE EU ERA AFOGOU-SE NO MAR


das infinitas possibilidades.
Não me afecta. A vida começou quando
apostei e perdi.
Nesse momento a água retesa-se
e converte-se em caminho.

(Ana Pérez Cañamares)