sexta-feira, 10 de outubro de 2014

BRINCADEIRA


Brinca comigo à procura...
de uma estrela noutro céu
Brinca e lava a noite escura
com os sonhos que Deus te deu

Começa devagarinho
– por favor, não tenhas medo,
que o meu coração fez ninho
dentro do teu em segredo

Acorda os anjos que dormem
com a luz do teu sorriso
Faz com que não se conformem
e saiam do paraíso

Deixa-os entrar de repente
no teu quarto, a esta hora
em que a verdade mais quente
é o sono que te devora

Brinca comigo às escuras,
ensina-me o que não sei
Onde estás? Porque procuras
o coração que te dei?

(Fernando Pinto do Amaral)

Outono me faz lembrar que
mudo as minhas folhas, mas nunca
as minhas raízes....

Que passo por estações,
mas deixo as minhas sementes.
Que o vento que me balança
também espalha o meu perfume.

(Joelma Rocha)

A FORÇA DA POESIA


Na leveza que se eleva
e flutua
Na delicada incerteza ...

da vida
Há um sopro que se liberta
assim
Numa vertigem que se veste
de temor
Num fulgor que se abeira do fim
Há um alento que aponta
o sentido
Um caminho que espera
por alguém
Uma estrela que brilha
na frente
E no tempo de todo sempre
Se ouve a voz de ninguém
É a voz que clama e porfia
No tom mais próximo do fim
Se dissolve e se envolve de poesia
Que se alastra e se aproxima de mim
Que êxtase é este que me envolve
Dum perfume alado se dissolve
(paxiano)

O LÁPIS E SUAS APARAS...


Olho as aparas amontoadas no canto da mesa; escuto o lápis e o pulsar nos dedos com que o seguro e tenho medo de o perder, de perder mais este companheiro que tanto de mim sentiu e percebeu, que tanto da vida esculpiu na pele branca e frágil esventrada daquele tronco robusto que vi partir num sonho.
Ah! Este lápis que não só escreve as letras, desenha os símbolos da ete...
rnidade, esculpindo com arte o ser e o sentir na tristeza e na alegria e os meus olhos são mar quando vejo partir os risos e a chuva, rebentos tão meus e da terra que piso.
Guardo as aparas, fazem parte do sangue e do suor, das lembranças gastas e da saudade quando por elas passou uma tempestade de ideias soltas; quando por elas passou uma guerra e viu partir os soldados, os filhos… e da minha boca em silêncio não sossegaram as lágrimas, a raiva no trilho das armas e das flores, tantas as pequenas flores que em sangue por outro sangue se derramaram. Guardo as aparas, nelas, também tenho a rega da minha serenidade, e recordo o soar melódico das andorinhas e das primaveras, do primeiro e último voo das borboletas.
Guardo o lápis, já no seu último suspiro…sei que voltará quando o Outono levantar as primeiras poeiras, quando caírem as primeiras folhas e quando o vento gritar: Chegou a hora de purificar o impuro, de renovar as árvores, de fortalecer os filhos da terra, de germinar o silêncio, de fazer mover os rios e as águas paradas…chegou a hora da igualdade, de nos sentirmos firmes, presos ao solo enquanto o fortalecemos devagar e sem pressas com o nosso florir e melhor sorriso até que a nudez do Inverno nos torne novamente reais.
Descansa lápis, fizeste, deste caderno, uma das minhas melhores esculturas…continuará a soar o violino enquanto as palavras balançam entre os sons das suas cordas mágicas.

©Maria dos Santos Alves (MSA), 27/08/2014, a publicar in “Violinos ao Luar”

Dormi contigo a noite inteira junto do mar, na ilha.
Selvagem e doce eras entre o prazer e o sono, entre o fogo e a água.
Talvez bem tarde nossos sonos se uniram na altura e no fundo,
em cima como ramos que um mesmo vento move,
em baixo como raízes vermelhas que se tocam....

Talvez teu sono se separou do meu e pelo mar escuro
me procurava como antes, quando nem existias,
quando sem te enxergar naveguei a teu lado
e teus olhos buscavam o que agora - pão, vinho, amor e cólera - te dou,
cheias as mãos, porque tu és a taça que só esperava os dons da minha vida.
Dormi junto contigo a noite inteira,
enquanto a escura terra gira com vivos e com mortos,
de repente desperto e no meio da sombra meu braço rodeava tua cintura.
Nem a noite nem o sonho puderam separar-nos.
Dormi contigo, amor, despertei,
e tua boca saída de teu sono me deu o sabor da terra,
de água-marinha, de algas, de tua íntima vida,
e recebi teu beijo molhado pela aurora
como se me chegasse do mar que nos rodeia.

(Pablo Neruda)


A paixão é um fio de chuva
em vidro de janela.

(Mia Couto)


no fundo dos teus olhos,
eu sou ainda mais vida
no fundo dos meus
tu vês-me, mais eu

(Pedro Sobreda)