sexta-feira, 17 de agosto de 2012

DIA 300





Uma parte de mim está onde tu estás, é a brisa que te cumprimenta
quando sais pela manhã, essa brisa que sopra devagar e faz mais le-
...
ves e mais livres os teus passos.
Uma parte de mim é a luz paciente do sorriso que ofereces aos que
sofrem, aos que esperam, mas sobretudo aos que interrogam, aos
que nunca desistem de procurar, àqueles que não disfarçam a fome
de saber.
Uma parte de mim é o decidido caminho que tomas quando tens de
escolher entre vários, e a tua intuição é, nesse momento, talvez a
coisa mais importante que há no mundo.
Uma parte de mim é o teu profundo olhar sobre o pequeno mapa da
grandeza humana, a mais rápida forma de medir a distância das es-
trelas no limitado universo de cada um de nós.
Uma parte de mim é a tua sombra, essa estreitíssima sombra que voa
nas asas jovens do arroz, onde o desejo continua a escrever doridas
cartas de amor para uma alma líquida que flutua, ferida, sobre as tu-
as colinas interiores.
Uma parte de mim é o lobo que roçaga as tuas pernas, que te acom-
panha e te protege, mas que não vês, não sentes, não sabes, e não
tens consciência sequer de o ignorar.
Uma parte de mim é uma parte de ti, uma sede longínqua, longa, re-
pleta do que a cada um de nós apetece, do que cada um de nós ne-
cessita, do que a cada um de nós pertence, essa sede que faz mais
justos os teus gestos e mais demorados os teus beijos.
Uma parte de mim acorda quando tu partes e deita-se quando tu che-
gas, é o anjo que tem o sorriso franco dos mais pobres e a alegria
dos sinos que acordam as raízes da infância.
Uma parte de mim é a canção que tu cantas nas longas caminhadas
junto ao mar, a erva indefesa que tu pisas, a dor que sentes por ter
acordado uma vez mais num tempo injusto, o pensamento branco
que diriges até Deus.
Uma parte de mim é tudo o que rejeitas, tudo o que te fere, tudo o
que te queima, tudo o que te é insuportável. Tudo o que ainda não
é capaz de merecer-te.


(Joaquim Pessoa) 

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